Distratos respondem por 2% dos negócios.

Fábio Baldissera

A Gazeta

 

Os distratos imobiliários respondem por menos de 2% das vendas em Mato Grosso, segundo estimativa do Sindicato das Indústrias da Construção de Mato Grosso (Sinduscon/MT). Em todo

o país, a proporção ficou abaixo deste índice e chegou a 0,7% das vendas por safra de lançamento, durante o 1º trimestre deste ano, segundo o indicador Abrainc/Fipe. De acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), essa proporção trimestral é a menor desde 2014.

No 1º trimestre daquele ano, os distratos responderam por 17,3% dos lançamentos. Os dados estatísticos mais recentes, referentes a março, obtidos a partir de informações das empresas do

setor da construção civil de todo o país, apontam que no 3º mês de 2016 foram distratados 6,3 mil imóveis. Esse volume representa alta de 14% sobre o total de desistências computadas em março de 2015.

As informações reunidas pela AbraincFipe não detalham os números de Mato Grosso. Mas, com base na disponibilidade de imóveis atualizada pelo Sinduscon/MT em dezembro de 2015, de 6,671 mil, a média de 2% de distratos equivale ao desacordo comercial envolvendo cerca de 133 imóveis no último ano, somente na Capital. Outro levantamento – este realizado pela agência de classificação de risco Fitch – indica que a cada centena de imóveis vendidos em 2015, 41 foram devolvidos às construtoras devido à crise. Os motivos são diversos, desde a dificuldade de pagamento por parte do consumidor, até o atraso na entrega por parte das construtoras.

Presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de Mato Grosso (Secovi), Marco Pessoz, afirma que o volume de vendas e distratos do mercado imobiliário mato-grossense são próximos daqueles registrados no país.

Sem citar números, ele afirma que as desistências dos negócios imobiliários aumentaram em todo o país e em Mato Grosso não é diferente. As desistências envolvem inclusive imóveis de padrão mais elevado. “O que ocorre nesses casos, às vezes, é que encontra-se uma solução diferente”. Atualmente, o motivo preponderante para as desistências dos imóveis é a crise financeira. Num

passado recente, o atraso na entrega das chaves ao comprador – decorrente do volume de empreendimento simobiliários e de infraestrutura que acentuaram a escassez de pessoal para

concluir as obras – era um dos motivos que pesavam em muitos distratos. “O problema agora é a falta de dinheiro. Com os juros altos, o comprador faz uma simulação de compra, mas na hora de receber as chaves, o saldo devedor cresce acima do previsto”. A crise nutre a insegurança quanto ao futuro e à capacidade de arcar com os compromissos financeiros. Por isso, muitos optam por desistir do financiamento e preferem perder algum dinheiro a assumir um compromisso que não poderá cumprir, se deparando no futuro com um prejuízo maior. Com relação aos atrasos nas obras, o presidente do Secovi observa que os contratos preveem até 6 meses de atraso sem ônus

para a construtora. Além desse prazo, o custo financeiro aumenta – a empresa tem, por exemplo, que arcar com despesas como o aluguel para o comprador do imóvel e que ainda não recebeu as chaves.

Para o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária do Sinduscon/MT, Paulo Celidoneo Bresser Dores, não é razoável comparar os indicadores de vendas e distratos verificados na região

Sudeste com os do Centro-Oeste, por exemplo. “Proporcionalmente temos um índice de distratos muito baixo em Mato Grosso e Cuiabá. Posso assegurar que inferior a 2%”, calcula. Esse cenário

diferenciado no Estado, segundo ele, decorre da manutenção dos preços dos imóveis.

“O crescimento dos preços de 2014 para cá não foi abrupto. Houve uma valorização equilibrada e abaixo da inflação aqui no Estado. Além disso, os ajustes nos pagamentos são acertados com os clientes. Os índices de distratos são mais elevados nas regiões onde a oferta de imóveis é muito grande e, em Mato Grosso, a oferta deu uma acomodada”. Para ele, o percentual de desistências de imóveis poderia ser ainda menor sem os efeitos da crise financeira e do aumento da taxa de juros, que dificultam os financiamentos.

ACORDO – Para diminuir as contendas entre consumidores/investidores inadimplentes e construtoras foram acordadas novas regras para evitar ações judiciais. Contudo, o pacto firmado

entre diversas entidades nacionais foi suspenso por 60 dias pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor no último dia 13. Nesse período, a secretaria pretende avaliar melhor o teor do acordo

firmado entre a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Secretaria Executiva do Ministério da Justiça, entre outras entidades.

Especialista em Direito Imobiliário, o advogado e sócio do escritório Souto Correa, Fábio Baldissera, observa que as ações judiciais podem surgir a partir de discussões sobre o valor da penalidade aplicável ao consumidor inadimplente em caso de distrato, de indenização por atraso de obra ou ainda de controvérsias sobre a responsabilidade do pagamento da comissão de corretagem, que tem sido objeto de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele menciona que Lei de Incorporações não prevê arrependimento ou desistência, uma vez negociado o imóvel. Caso o consumidor desista ficará inadimplente e sujeito à extinção do contrato por via judicial. Nas hipóteses de desistência do negócio, o STJ vem condenando as incorporadoras a

devolverem de 75% a 90% do valor das prestações pagas pelo consumidor, detalha. “Portanto, como regra geral, as incorporadoras têm obtido por meio da esfera judicial o direito de serem

ressarcidas, em caso de inadimplemento do consumidor, em relação aos gastos administrativos do empreendimento, em percentuais que giram de 10% a 25% dos valores pagos. Esses valores são, consideravelmente, menores do que aquelas disposições estabelecidas na prática contratual”.

Presidente da Associação Brasileira de Mutuários, Wilson Gomes, lembra que, independentemente de qualquer acordo, o distrato está previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). “As decisões judiciais seguem no país, de forma geral, a devolução de 90% do valor pago, com as empresas retendo 10% a título de despesas com propaganda e administrativa. Em casos onde já houve a entrega do imóvel pode reter também a taxa de ocupação”, observa.

Baldissera finaliza com a observação de que o pacto global em negociação é fruto de reivindicações tanto dos incorporadores quanto dos consumidores, diante do cenário econômico recessivo. A intenção é estabelecer parâmetros indenizatórios em caso de desistência. “Não podemos esquecer que o inadimplemento sintomático pode vir a prejudicar não somente os incorporadores e construtores, mas também os próprios consumidores que honram as suas obrigações contratadas, tendo em vista que os custos aumentam na medida dos riscos tomados pelo incorporador. Essa é uma hipótese indesejável, o que denota um cuidado especial pelo qual esse tema deve ser tratado”.

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