Em três anos, 25 empresas deixaram a bolsa

Andreia Cristina Bezerra Casquet

Valor Econômico

19/01/2017

 

 

Di Miceli, professor da Fecap: “Após um soluço positivo entre 2004 e 2007, nosso mercado voltou à míngua”

O número de empresas dispostas a fechar o capital em 2016 aumentou de forma significativa em relação àquelas que buscaram ser listadas na bolsa, refletindo o baixo preço de muitos papéis e também a troca de controle das companhias. Os anos de 2015 e 2016, com um IPO cada, foram os piores períodos para o mercado de capitais desde o auge de 2007.
Enquanto em 2016 apenas a empresa de medicina diagnóstica Alliar registrou oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa de valores, 13 companhias fizeram o movimento contrário com ofertas públicas de aquisição de ações (OPA) para fechamento de capital, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em termos financeiros, a única estreia na bolsa em 2016 somou R$ 766,4 milhões, contra R$ 2,67 bilhões em operações de empresas que deixaram o mercado no mesmo período.
Além da Alliar, a Sanepar e a Energisa fizeram reestreias no mercado ­ o chamado “re­IPO”. Esse processo serve para companhias cujos papéis têm pouca liquidez em bolsa, o que atrapalha o preço dos papéis. O re­IPO, porém, é um processo bem mais simples, uma vez que a empresa já atende as exigências de companhias abertas.
Em 2007, quando houve grande euforia no mercado de capitais, 51 empresas abriram o capital e apenas 7 fecharam.
“Infelizmente, após um soluço positivo entre 2004 e 2007 ­ quando ocorreram 106 das 143 ofertas públicas iniciais de ações dos últimos dez anos ­, nosso mercado voltou à míngua”, afirmou Alexandre Di Miceli, professor do mestrado da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e sócio da Direzione Consultoria.
Companhias de diversos setores saíram da bolsa em 2016: a empresa de concessões rodoviárias Arteris, a distribuidora de energia Celg Participações, a companhia de alimentos Vigor, a empresa de call center Tempo.
Participações, a sucroalcooleira Tereos, a fabricante têxtil Wembley, a holding de bens intermediários Évora, a produtora de eletrônicos Tec Toy, a fabricante de eletrodomésticos Brasmotor, a fabricante de celulose Iguaçu e os bancos Sofisa e Daycoval.
Ao analisar o período dos últimos três anos, o hiato entre aberturas e fechamentos de capital é ainda maior no Brasil. Entre 2014 e 2016, apenas três companhias fizeram registros para abertura de capital, enquanto 25 seguiram o caminho oposto. De acordo com dados da CVM, houve uma tendência crescente de registros de OPA nos últimos três anos, com cinco saídas em 2014, sete em 2015 e 13 em 2016.
Não é difícil entender o raciocínio dos controladores de empresas que optaram pela OPA. A família Dayan, controladora do banco Daycoval, recomprou as ações da instituição por R$ 9,08. Em junho de 2007, no auge da euforia do mercado de capitais no Brasil, os papéis do Daycoval chegaram à bolsa avaliados em R$ 17. Recomprar 100% do banco foi, portanto, um bom negócio.
Quem adquiriu companhias também avaliou se deveria manter ou não o capital aberto. Ao comprar a Tempo Participações, por exemplo, a gestora de fundos de private equity Carlyle chegou à conclusão de que era preferível retirar a companhia da bolsa naquele momento para depois listá-la novamente no futuro, já com um novo patamar de preço, segundo o Valor apurou.
Os custos de manutenção das companhias abertas também entram nos cálculos das empresas. Segundo Andreia Casquet, advogada nas áreas de fusões e aquisições, societário e governança no escritório Souto e Correa, ao mesmo tempo que o processo evolutivo de governança corporativa no Brasil é um atrativo para investimentos nacionais ou estrangeiros, ele também pode afastar as empresas do mercado.
“Só para cumprir as regras de governança corporativa, as companhias têm um dispêndio muito maior do que tinham antes. Custos de novos departamentos responsáveis para que elas estejam em conformidade com as normas, novas necessidades de publicações que elas não tinham antes e um elemento crucial que é a questão da responsabilidade dos administradores”, afirmou Casquet.
Segundo Di Miceli, existe também uma particularidade do empreendedor brasileiro: o gosto pelo poder e pela opacidade das informações. “Quando ele abre capital, ele perde um pouco dos dois, por isso a captação de recursos no mercado sempre é a última opção. A primeira, é claro, é o Estado.”
Para o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Antonio Castro, o ponto preocupante da governança corporativa em determinados setores é a perda de competitividade em relação às companhias de capital fechado. “A empresa fechada acaba sabendo demais sobre a aberta e o inverso não acontece. É uma questão de competitividade”, diz Castro.
Já na visão de um gestor de fundo de investimentos que não quis ser identificado, o principal motivo que vem afastando as empresas da bolsa é a falta de interesse dos investidores pelo mercado de renda variável, que está diretamente associado à crise econômica. Por isso, com a perspectiva de retorno do crescimento neste ano, a expectativa de banqueiros é que mais empresas cheguem à bolsa. “Isso afeta muito o cenário de IPO. Então a gente tem esse ciclo como se fossem ondas de IPOs e depois de OPAs de fechamento, e realmente são indicadores de como o mercado de capitais está indo”, disse o gestor.
Estudo recente da Anbima, realizado em novembro de 2016, apontou que a alocação dos investidores em fundos de renda variável é a menor nos últimos 15 anos. A média histórica da indústria nos fundos de ações é de 10% a 12%, e em novembro do ano passado a taxa foi de 4,3%.
Para Di Miceli, só o crescimento econômico não basta. “Outras iniciativas são necessárias, como a exigência pelo Estado de transparência das companhias de capital fechado e a cobrança do BNDES de atuação mais efetiva no aprimoramento da governança de suas investidas.”
Além disso, ele defende um melhor “aculturamento” dos empreendedores sobre o que é o mercado de capitais. “Eles veem o mercado de ações como algo muito especulativo e sofrem pressões para resultados no curto prazo. Mas esse é um problema global”, afirma.

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