Inadimplência na CCEE pode ter novo critério de rateio

Lívia Amorim
Brasil Energia
03/11/2017

Em vez de compartilhado entre credores, passivo passa a ser dos agentes com voto na câmara, caso proposta em audiência na Aneel seja aprovada

A liquidação financeira na CCEE vai mudar, mas ainda está aberta a forma como será feita a operação mensal que nos últimos meses vem elevando as preocupações do setor com o aumento do valor não pago devido a medidas judiciais.

Atualmente, cerca de R$ 4,3 bilhões estão em aberto na CCEE, sendo a maior parte fruto de não-pagamentos decorrentes de decisões liminares (a câmara não considera os débitos associados a liminares como inadimplência), e a tendência é de que esse valor cresça de forma exponencial, podendo alcançar os R$ 8 bilhões até o fim do ano.

O que está em pauta é o rateio da inadimplência e da cobrança dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS) na CCEE. A Aneel abriu audiência pública para tratar do tema (AP 50/2017), cujo prazo de contribuições foi prorrogado.

A proposta da Aneel prevê o rateio da inadimplência com base nos votos de cada agente, em vez de dividi-lo sobre os credores, como é atualmente. Há a tendência, ainda, de que ocorra a equiparação da inadimplência pura e simples (ou seja, de quem realmente deixou de pagar as respectivas faturas) com as resultantes de decisões liminares, a fim de tornar o processo mais isonômico.

O entendimento, neste caso, é o de que o risco do mercado é estrutural, sem existir sentido em alocá-lo em quem é credor em um determinado mês. A questão ganhou mais relevância desde que o risco hidrológico (GSF) a partir da crise hídrica de 2014 teve uma solução para contratos entre hidrelétricas e distribuidoras, mas sem saídas para mercado livre.

Com mais de uma centena de ações judiciais, em 2015, o governo estabeleceu uma proposta de solução para o GSF, que teve adesão das usinas com contratos no mercado regulado. No entanto, a saída proposta pelo MME (na ocasião conduzida por Eduardo Braga) não foi suficiente para obter a adesão das usinas contratadas no mercado livre. Basicamente, as liminares limitavam o GSF ao risco de déficit de 5%, entre outros motivos.
Segundo Livia Amorim, sócia do escritório de advocacia Souto Correa, Cesa Lummertz & Amaral Advogados, e pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV, é necessário separar a mudança das regras com o impasse bilionário em curso. A mudança da regra da liquidação tem um caráter mais estrutural, e o objetivo é encontrar a melhor forma de compartilhar os riscos no condomínio.

“Ter uma exposição muito grande, de R$ 4,28 bilhões, evidentemente, coloca mais pressão e maior visibilidade sobre o problema”, disse Lívia, ressaltando que a divisão pelos votos na CCEE significaria um rateio entre todos os agentes na proporção de seus votos, que são determinados 95% em função da energia comercializada no país. Na avaliação dela, o GSF passa pela necessidade de uma solução estrutural.

Debate sobre a AP 50
“Pode ser que a MP da Eletrobras apresente alguma proposta para o GSF. Esse aspecto acaba refletindo sobre usinas que poderiam aproveitar o momento para vender excedentes, mas não o fazem sob risco de ficarem com valores a receber, como é o caso das térmicas a biomassa, que poderiam liquidar a geração acima da garantia física, especialmente nos últimos meses, em plena safra da cana-de-açúcar, segundo recorda o assessor técnico da Abraceel (associação das comercializadoras), Alexandre Lopes.

Ele lembra que a liquidação mais recente, relativa a agosto, contabilizou R$ 6,82 bilhões, sendo R$ 3,10 bilhões realmente considerados. Desse total, cerca de R$ 560 milhões foram efetivamente não pagos – o valor equivale a 8,3% do total contabilizado e 18% do volume financeiro posto em liquidação.

Lopes avalia apenas que o debate iniciado pela Aneel está num timing errado. Para a Abraceel, o tema deveria ser discutido após a obtenção de soluções estruturais para a judicialização do GSF e a inadimplência de distribuidoras – naturalmente, a entidade é contra ratear os R$ 4,3 bi em aberto na proporção dos votos dos agentes.

Já a Petrobras, outro agente que está se mobilizando ativamente em torno do tema, diz estar em busca de aprimoramentos dos critério de rateio da inadimplência desde 2009. De acordo com o gerente-executivo de Energia da companhia, Marcelo Cruz, os não pagamentos aumentam no momento em que o PLD se encontra em níveis elevados, exatamente no momento em que termelétricas estão sendo despachadas com maior intensidade, o que coloca tais empreendimentos como credores na CCEE.

“Não é razoável que um agente que possui 3% de participação no mercado e que tem compromissos com pagamentos de combustível arcar com 35% de uma inadimplência da ordem de R$ 3,9 bilhões [valor da liquidação de agosto]”, salienta Leite.

Esse R$ 1,3 bilhão poderia ter “quebrado” a empresa, se a Petrobras fosse apenas uma geradora de energia, complementa o executivo. Lívia, Lopes e Cruz participaram há pouco mais de uma semana de um debate no escritório do Souto Correa sobre o tema.

O PLD vem se mantendo no teto de R$ 533/MWh há várias semanas, com custo marginal de operação na casa dos R$ 830/MWh. Aproximadamente 16 GW médios térmicos vêm sendo despachados para garantir o abastecimento de energia.

Mudanças ao longo do tempo
As regras para rateio da inadimplência tiveram algumas mudanças desde a criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE), antecessor da CCEE. Uma das principais regras para o rateio da inadimplência é a Resolução Normativa 552/2002, ainda em vigor.

Segundo a resolução, todos os valores não liquidados devem ser rateados entre todos os credores na proporção dos respectivos créditos, exceto valores relativos ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). No caso de não pagamentos por ordens judiciais, a resolução estabelece uma apuração provisória, cujos valores são excluídos da liquidação.

Esse valor fica registrado, mas em suspenso, e caso seja liberada a liquidação, o montante registrado é atualizado e liquidado na primeira operação prevista após decisão judicial que liberou a operação.

A forma de rateio foi modificada em 2004 (Resolução 109), segundo a qual o rateio da inadimplência seria feita entre os credores, na proporção dos créditos líquidos. Em 2012, nova mudança – desta vez para os não pagamentos por liminares, segundo a qual o rateio de agentes não identificáveis será feito por entre os credores afetados, na proporção da energia comercializada.

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