Incertezas cercam licitação do Salgado Filho
Rômulo Greff Mariani
Jornal do Comércio
12/01/2017
Obra prioritária no aeroporto é o aumento da pista em mais 920 metros para alcançar 3.200 metros
Jefferson Klein
O leilão de concessão do aeroporto Salgado Filho, que será disputado em março, está marcado por vários pontos de interrogação que podem gerar receio em eventuais interessados. Os questionamentos giram em torno da precisão das estimativas de demandas de passageiros, como serão desenvolvidas as ações para novas remoções de famílias para viabilizar a ampliação da pista e se o complexo de Porto Alegre, futuramente, terá ou não a concorrência do aeroporto 20 de Setembro (projetado para ser construído no município de Portão).
O vice-coordenador do Fórum de Infraestrutura da Agenda 2020 e vice-presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Paulo Menzel, não descarta a hipótese de que a licitação do Salgado Filho acabe não atraindo empresas para a disputa, apesar de a operação ser viável economicamente. Para Menzel, a obra prioritária no aeroporto precisa ser o aumento da pista em mais 920 metros (hoje, a estrutura possui 2.280 metros). O incremento daria mais segurança quanto a aterrissagens e decolagens e maior capacidade para os aviões transportarem cargas.
Porém, para o dirigente, não está claro como será feita a retirada de famílias que ainda residem próximas ao complexo, para que seja possível a expansão, nem a obrigatoriedade da obra. O presidente da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo (Andep), Claudio Candiota Filho, concorda com Menzel e acrescenta que teme que uma eventual dificuldade na realocação das pessoas acabe inviabilizando a ampliação da pista. O presidente da Andep considera que falta transparência no processo de licitação do Salgado Filho.
O consultor em aeroportos Fernando Bizarro comenta que a maior parte das realocações que precisavam ser feitas para possibilitar o incremento da pista já foram concluídas e as obras físicas, se fosse o caso, poderiam iniciar imediatamente. No entanto, para a homologação da expansão, com o atendimento da zona de proteção exigida pelas normas da aviação, será preciso retirar mais algumas pessoas que ainda residem nas vilas Nazaré e Dique. Conforme o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), na negociação da ampliação da pista, discutida em meados de 2005, coube à prefeitura de Porto Alegre promover a remoção com recursos do governo federal e próprios. Em levantamento feito em 2009, foram identificadas em torno de 1,2 mil famílias que deveriam ser retiradas para que acontecesse a expansão. No entanto, o Demhab não informou quantas pessoas foram reassentadas e quantas faltam ser removidas ainda.
O edital envolvendo o Salgado Filho prevê que as áreas que forem desapropriadas após firmar o contrato terão sua posse transferida à concessionária mediante um aditivo ao Termo de Aceitação Definitiva e de Permissão de Uso de Ativos. Eventuais desocupações de áreas localizadas no sítio aeroportuário, em posse ou detenção de terceiros, prévias ou posteriores à celebração do contrato, serão de integral responsabilidade da concessionária, bem como a remoção de quaisquer bens para a liberação de áreas do sítio aeroportuário. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirma que a desocupação cabe à concessionária, mas acrescenta que a desapropriação de áreas é de responsabilidade do poder público.
O advogado Rômulo Mariani, do escritório Souto Correa, especialista em concessões, afirma que, se algumas pessoas não quiserem ser deslocadas do terreno, a concessionária teria a capacidade de impor essa medida via ação judicial. Conforme o advogado, não há previsão para a isenção de responsabilidade de ampliação da pista. “A rigor, a concessionária não tem outra alternativa: não havendo acordo, deve impor a retirada por meios legais”, reitera. Mariani acrescenta que a responsabilidade por atraso causado em eventual demora nessas desocupações e desapropriações, inclusive, é do próprio empreendedor.
Licitação prevê investimento de R$ 1,9 bilhão no complexo gaúcho
Para um empreendedor vencer a disputa pela concessão do aeroporto Salgado Filho, ele terá que, primeiramente, ofertar a maior outorga entre os concorrentes, sendo que o valor mínimo a ser aportado é de R$ 123 milhões (ou seja, vence quem der o maior lance). Além disso, o ganhador terá que se comprometer a investir R$ 1,902 bilhão em melhorias como: ampliações da pista de decolagem e aterrissagem, do terminal de passageiros e do pátio de aeronaves.
Assim como o Salgado Filho, serão leiloados pelo governo federal, no dia 16 de março, os aeroportos de Salvador, Fortaleza e Florianópolis. O empreendimento baiano envolve uma outorga de R$ 1,24 bilhão e um investimento de R$ 2,35 bilhões; o cearense terá outorga de R$ 1,44 bilhão e aporte de R$ 1,401 bilhão; e o catarinense, outorga mínima de R$ 211 milhões e investimento de R$ 960,7 milhões. Os prazos das concessões desses complexos serão de 30 anos, prorrogáveis por mais cinco, enquanto o do Salgado Filho será de 25 anos, extensível por mais cinco.
O advogado Rômulo Mariani, do escritório Souto Correa, especialista em concessões, detalha que os modelos mais comuns de licitações são através de menores tarifas ou privilegiando quem paga mais para ter o direito de prestar o serviço. Justamente esse último formato foi o escolhido para o próximo leilão de aeroportos. Mariani argumenta que o governo precisa de dinheiro e que por isso priorizou “quem paga mais”. O advogado acrescenta que o valor de outorga leva em consideração uma projeção da relação entre despesa e receita.
Sobre o fato de que a concessão em Porto Alegre terá um prazo menor do que as demais, Mariani argumenta que, com isso, o governo sinaliza a possibilidade de que, no futuro, um novo aeroporto na Região Metropolitana seja viabilizado (o 20 de Setembro, em Portão). Como esse aeroporto influenciaria na demanda do Salgado Filho (diminuindo a circulação de pessoas), o advogado conclui que o governo garantiu um prazo de concessão menor a fim de que não haja um impacto ao concessionário do aeroporto da Capital. Quanto menor o tempo de concessão, menores são as chances de o empreendedor ter que enfrentar a concorrência de um segundo complexo aeroportuário.
Um detalhe desse leilão é que um concorrente poderá ganhar mais de um empreendimento, desde que o aeroporto não esteja localizado na mesma região. Por exemplo, se conquistar o de Porto Alegre, não poderá abocanhar também o de Florianópolis, mas poderia obter os direitos de Fortaleza ou Salvador. A ideia é tentar evitar distorções no mercado e a criação de preços artificiais.
Movimentação de passageiros no aeroporto da Capital vem caindo
Para o vice-coordenador do Fórum de Infraestrutura da Agenda 2020 e vice-presidente da Abralog, Paulo Menzel, 25 anos de concessão, para as obras necessárias no Salgado Filho e para a empresa conseguir lucrar, é um prazo muito curto, a menos que se encareçam as tarifas cobradas no aeroporto. Além disso, o dirigente cita o fato de o aeroporto gaúcho vir registrando queda na movimentação de passageiros como outro obstáculo para o futuro gestor.
Paulo Menzel diz que a redução vem sendo verificada nos últimos anos e deve ser confirmada também em 2016, quando fecharem os números oficiais. De acordo com dados da Infraero, em 2014 o Salgado Filho teve 8.447.380 passageiros. Em 2015, foram movimentados 8.354.961. Já em 2016, entre janeiro e novembro, foram registrados 6.979.310 passageiros no aeroporto.
O terminal 1 do complexo tem capacidade operacional para 12,2 milhões de passageiros ao ano; e o terminal 2, por sua vez, tem capacidade de 4,8 milhões de passageiros ao ano.
De acordo com o edital da licitação do Salgado Filho, para 2042 a movimentação de passageiros no aeroporto deve chegar a 22,84 milhões. “O papel aceita tudo, foi atribuída uma taxa de crescimento da demanda que não acontecerá nos próximos anos, pois estamos com crescimento negativo”, adverte o presidente da Andep, Claudio Candiota Filho. O advogado Rômulo Mariani confirma que o aeroporto de Porto Alegre é visto com desconfiança por investidores, pois não há uma certeza de que as projeções de incremento no número de passageiros irão se confirmar. Apesar disso, Mariani prevê que o aeroporto despertará o interesse da iniciativa privada.
Fracasso na concorrência pública pode favorecer o projeto do 20 de Setembro
Possível construção de um aeroporto em Portão ameaça Salgado Filho
Se a disputa na licitação pelo aeroporto na Capital não vingar, o presidente do Comitê Pró-Aeroporto Internacional 20 de Setembro, Nelson Riet, prevê que a proposta em Portão possa ser acelerada. “Poderá haver uma outra licitação que coloque o novo aeroporto na jogada”, presume o dirigente.
A ideia de incluir a construção do 20 de Setembro na concessão do Salgado Filho foi sugerida ao governo federal anteriormente. Ou seja, quem vencesse a licitação do complexo de Porto Alegre seria responsável também pela concretização do novo aeroporto. Porém essa ideia não foi adiante. Riet admite que o 20 de Setembro sempre poderá ser uma ameaça para quem investir no Salgado Filho. O dirigente acrescenta que a licitação do aeroporto da Capital está sob fortes dúvidas, que somam-se à possibilidade da construção de uma nova estrutura aeroportuária na vizinhança, à necessidade de remoção de famílias e ao fato de o terreno para a expansão da pista ser considerado pantanoso e difícil de ser trabalhado.
Riet destaca que há um forte movimento das prefeituras da região do Vale do Rio dos Sinos para que o 20 de Setembro saia do papel. A iniciativa também é defendida por alguns empresários e circula dentro dos governos estadual e federal. “A nossa preocupação é que não existe outra área na região do entorno da Capital para que se tenha um aeroporto de grande porte”, frisa. A área no município de Portão analisada possui cerca de 2,1 mil hectares.
Atualmente, Riet diz que não seria possível viabilizar os dois aeroportos. Mas, mais adiante, quando a economia melhorar, ele sustenta que é possível ter mais um empreendimento, a exemplo de São Paulo, com Guarulhos e Congonhas. O dirigente reforça que as empresas aéreas evitam enviar aviões de viagens de longo curso para aeroportos que só têm uma pista, porque, se a estrutura for eventualmente interditada, não há para onde ir. O presidente da Andep, Claudio Candiota Filho, enfatiza que não é contrário à ideia do 20 de Setembro, mas é a favor do Salgado Filho. “O que tem que resolver isso é a demanda, contanto que não se faça de conta que a demanda dobrou”, aponta.