Justiça nega sobrejornada por deslocamento
João Antônio Marimon
Diário Comércio, Indústria e Serviços
01/03/2017
Tribunal contraria Súmula do TST e abre precedente para que tempo gasto no transporte da firma só seja considerado à disposição se não for possível chegar ao local de trabalho por outros meios.
A Justiça de Minas Gerais contrariou Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e abriu um precedente para que o tempo gasto com condução no transporte da empresa não seja necessariamente considerado período à disposição da companhia.
Pelo entendimento aplicado pela 1ª Vara do Trabalho em Contagem (MG), o tempo dispendido pelo funcionário em deslocamento até o posto de trabalho só é considerado como à disposição do empregador se não houver outro meio de transporte disponível. No caso, o empregado questionou na Justiça o fato de chegar ao local de serviço cerca de 30 minutos antes do horário contratual usando o ônibus da empresa, e precisar esperar para começar o expediente. O reclamante pediu para receber sobrejornada sobre esses minutos.
Na opinião da sócia da área trabalhista do Andrade Maia Advogados, Clarisse de Souza Rozales, esse juízo difere do que está escrito na Súmula 429 do TST, que considera como à disposição todo o período de deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite de 10 minutos diários. “A decisão não invalida a jurisprudência do TST, mas abre uma nova possibilidade de interpretação para casos específicos”, avalia ela.
A justificativa da relatora da decisão, a juíza Maritza Eliane Isidoro, para não conceder o benefício foi que o trabalhador só usava o transporte da empresa por comodidade, sendo possível o uso de outros meios para chegar à empresa.
Segundo o sócio do Souto Correa Advogados, João Marimon, o mais relevante no processo é a possibilidade de escolha do empregado, que não tinha nenhum obstáculo a usar a rede de transporte público da cidade para se deslocar. “Se a empresa fornecer o transporte, todo o tempo de deslocamento só será considerado tempo à disposição se o logradouro da companhia for de difícil acesso”, afirma.
Marimon lembra que essa regra, apesar de parecer em contradição com a Súmula 429 do TST, está estabelecida no artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que aponta a necessidade de que o oferecimento do transporte pela empresa não se dê apenas para dar maior comodidade aos funcionários.
A especialista em Direito do Trabalho e sócia do Fragata e Antunes Advogados, Gláucia Soares Massoni, cita ainda que o julgamento foi contra o entendimento de que o período em que o empregado fica à espera do transporte fornecido pela empresa está à disposição do empregador. “A juíza mostrou que essa tese está equivocada, já que se o empregado fosse utilizar transporte público regular também teria que aguardar”, defende ela.
Debate
Clarisse Rozales explica que esse tipo de polêmica também deve ser explorada na Reforma Trabalhista. “O que acontece hoje é que estamos em meio a uma discussão sobre prevalência do acordado sobre o legislado. É difícil colocar o trajeto para o emprego dentro daqueles 10 minutos da lei, mas uma negociação coletiva poderia resolver o problema”, opina.
Apesar disso, a advogada crê que a solução via sindicato não teria caráter definitivo a menos que se desse mais poder e legitimidade a esses acordos.
Marimon ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF), antecipando-se a qualquer reforma, decidiu recentemente flexibilizar a questão das horas em itínere. “O [falecido] ministro Teori Zavascki decidiu em um caso que se há norma coletiva permitindo que não haja tempo à disposição por transporte, a questão está encerrada, mas esse juízo não teve repercussão geral”, conta.
Ricardo Bomfim