Regras para mercado livre travam acordo do gás natural

Lívia Amorim
Valor Econômico
30/04/2018

Sem conseguir costurar um consenso entre os principais agentes do mercado, o governo enfrenta dificuldades para aprovar ainda este ano o projeto de lei que trata da reforma do marco regulatório do gás natural. O Ministério de Minas e Energia mantém a intenção de aprovar as propostas, discutidas no âmbito do programa Gás para Crescer, até maio, mas crescem as incertezas em torno da votação da medida antes que as campanhas eleitorais esvaziem as pautas do Congresso, segundo interlocutores consultados pelo Valor.

O principal ponto de divergência está na regulação do mercado livre de gás. A versão original do substitutivo do PL 6.407/2013, apresentada no fim do ano passado, atribuía à Agência Nacional de Petróleo (ANP) a regulação do consumidor livre. A proposta é defendida por praticamente todos os agentes da indústria, mas esbarrou na resistência das distribuidoras, favoráveis à manutenção da regulação estadual.

Atualmente, cada Estado possui uma regulação própria. Os consumidores se queixam de que há legislações que fixam volumes mínimos de consumo elevados para que uma indústria seja enquadrada como cliente livre e que são impeditivas à abertura do mercado. Eles também reclamam que, em alguns Estados, usuários livres têm de pagar às distribuidoras a mesma tarifa paga por usuários cativos, ainda que sejam abastecidos por pequenos ramais dedicados.

Augusto Salomon, presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), defende que a abertura do mercado ainda não se consolidou no Brasil devido à falta de diversidade na oferta de gás, hoje concentrada na Petrobras. Segundo ele, do preço final do gás para os consumidores, apenas 20% é relativo à atividade de distribuição.

“É nos Estados que devem haver as discussões dos interessados que se sintam desconfortáveis com as tarifas praticadas pelas distribuidoras. Também somos favoráveis à abertura do mercado, mas que não haja by-pass [fornecimento direto ao consumidor}, sem que a concessionária seja remunerada pelas tarifas de distribuição”, diz Salomon.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu que interlocutores do mercado agissem para tentar costurar um acordo. Além do mercado livre, há também divergências na indústria em relação à regulação do acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento, unidades de processamento e terminais de gás natural liquefeito. Enquanto as petroleiras defendem o acesso negociado, alguns governos estaduais são favoráveis ao acesso obrigatório, desde que haja capacidade disponível.

Ao longo dos últimos meses, novas versões para o substitutivo, não oficiais, chegaram a circular pelo mercado. A proposta da regulação federal do mercado livre foi revista, o que gerou reclamações, sobretudo por parte dos representantes das petroleiras e dos consumidores.

“O trabalho de consenso aparentemente não funcionou”, conta o diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Ele lembra das dificuldades inerentes à tramitação do projeto num ano eleitoral. Como a maioria das distribuidoras de gás são controladas pelos Estados, existe um receio de que governadores possam mover suas bancadas.

Em dezembro, os governadores dos Estados da região Sul e do Mato Grosso do Sul enviaram a Maia um ofício pedindo a intervenção do presidente da Câmara para impedir a aprovação da proposta que atribuía à ANP a regulação do consumidor livre.

“Hoje há um clima de incertezas sobre o trâmite do projeto. Pode ser melhor esperar [um novo ambiente para discussão] do que regredir [nas discussões]”, comenta a advogada Lívia Amorim, do escritório Souto Correa Advogados.

Luiz Costamilan, secretário-executivo de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), no entanto, ainda vê espaço para negociações. “Não vemos a soberania dos Estados sendo ameaçadas pela proposta [de regulação do mercado livre pela ANP]. O que desejamos é o desenvolvimento do mercado. Os Estados vão se beneficiar com isso, com a dinamização da indústria, aumento da arrecadação de impostos.”

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