Ano Novo Chinês e negócios: guanxi e seus efeitos nas relações empresariais
Entenda o que o ano da serpente e o guanxi, jeito chinês de fazer networking, podem ensinar aos brasileiros no cenário desafiador de 2025
O ano de 2025 começou com o Brasil enfrentando um cenário de incertezas político-econômicas. As taxas de juros básicas da economia estão acima do esperado, o endividamento das grandes empresas nacionais aumentou e o Banco Central tem tido dificuldades para segurar a alta do dólar.
Tal cenário certamente pedirá muita estratégia e planejamento por parte dos empresários brasileiros. Nesse sentido, a chegada do Ano Novo Chinês, que neste ano ocorre em 29 de janeiro, pode servir de inspiração. Isso porque segundo a tradição chinesa este será o ano da serpente, que, na identidade cultural do país, remete a sabedoria e paciência, além de uma grande capacidade de superar adversidades.
Assim, em um ano que promete um cenário doméstico turbulento, a proeminência chinesa pode ser a virada de chave para muitos empresários brasileiros. O atual reavivamento do BRICS e a busca chinesa pela expansão do seu mercado consumidor são ingredientes prontos para a cocção de relações econômicas ainda mais picantes entre o Brasil e o gigante asiático.
Por isso, entender a China, os chineses, o seu modelo econômico e suas peculiaridades é condição essencial para o sucesso daqueles que pretendem sucesso nos negócios com o atrativo leste asiático. E, acreditem: não é tarefa fácil.

Ao estudar sobre a China, é inevitável encontrar o termo “guanxi“, que se refere ao “modo chinês” de estabelecer conexões interpessoais. Compreendê-lo é fator determinante no sucesso empresarial.
Mas afinal, o que é guanxi? Literalmente, significa “abrir uma porta e fazer conexões” e é um conceito chinês para construção de contatos. Diferente do networking tradicional, o guanxi é uma característica central da sociedade chinesa.
Ele pode surgir de várias formas, como laços familiares, colegas de estudo ou trabalho, participação em clubes e associações, ou compartilhamento de laços étnicos ou religiosos. A reciprocidade é fundamental, com ambas as partes se esforçando para garantir benefícios mútuos.
A singularidade do guanxi é tão importante que os chineses desenvolveram uma área de estudo específica sobre ele, chamada guanxi xue. Estudos mostram que essas relações são baseadas em cooperação recíproca e ações concretas.
- Reciprocidade: A reciprocidade é essencial para manter o guanxi. A falta de reciprocidade pode prejudicar a confiabilidade de um empresário, levando à perda da “face” (面子, mian zi), que é crucial nas relações sociais chinesas.
- Transferibilidade: O guanxi pode ser transferido, facilitando a criação de conexões entre desconhecidos. Recomendações ajudam a consolidar essas relações.
- Utilidade: A utilidade prática de uma relação é fundamental para o guanxi, exceto em relações familiares, onde o respeito à ancestralidade prevalece.
- Pessoalidade: O guanxi é sempre entre duas pessoas específicas. Mesmo em empresas, a relação interpessoal é a base, e a saída de uma pessoa pode quebrar o vínculo.
- Perenidade: O guanxi visa o sucesso conjunto a longo prazo, refletindo as origens confucionistas de relações duradouras.
Ao passo em que a realização de negócios com base em conexões interpessoais é vista com certa desconfiança no contexto ocidental, a cultura chinesa a enxerga com naturalidade e em compasso com seus valores de assistir os próximos.
É verdade que, na última década, o governo central chinês vem investindo em campanhas de combate à corrupção e à interferência de poderes locais nas atividades estatais, o que resultou em uma grande reflexão sobre o papel do guanxi no setor econômico, e a publicação de diversos artigos sobre a linha tênue entre o incentivo ao guanxi e as suas possíveis consequências negativas.
No entanto, seria equivocado assumir que o guanxi já não mais desempenha fator relevante na tomada de decisões e nas práticas comerciais em solo chinês. Em 2021, três professores (Zhang, Chenjian; Wang, Tao e; Ahlstrom, David) conduziram uma vasta pesquisa comparando o comportamento empresarial de duas gerações de empresários chineses.
A pesquisa identificou, em síntese, três modelos de tomadas de decisão adotados pelos empresários:
(1) baseada em guanxi;
(2) baseada em critérios mercadológicos (com base em aspectos puramente profissionais e econômicos), e;
(3) mistas (baseada tanto em relações de guanxi quanto em fatores mercadológicos).
A primeira geração de empresários (que iniciaram seus negócios entre 1992 e 2001) relatou utilizar de suas relações de guanxi como um fator determinante no desenvolvimento de seus negócios (62.5% destes entrevistados). De acordo com os relatos, esta condução de negócio por guanxi envolve principalmente a manutenção de relações em um círculo próximo, como amigos, parentes e antigos parceiros de negócios, que fornecem apoio na condução empresarial. Se as relações interpessoais geram confiabilidade, são mantidas. Estes empresários relataram que os seus novos contatos comerciais geralmente são apresentados pelos contatos de guanxi já consolidados.
Já a segunda geração (que iniciaram seus negócios entre 2002 e 2009) relatou utilizar principalmente de critérios mercadológicos (52.9% destes entrevistados). Estes empresários relataram reconhecer o poderio de perpetuidade de relações de guanxi, mas descreveram ter seguido uma estratégia de formação de parcerias com empresas que tivessem chamarizes de tecnologia e governança.
Outra conclusão da pesquisa foi a constatação do guanxi como um fator de indiscutível relevância no sucesso empresarial. Quase a integralidade dos entrevistados, independentemente da geração, reconheceram a importância do guanxi para o sucesso dos seus negócios.
Além disso, estudiosos em China tem analisado o fenômeno do guanxi sobre uma perspectiva econômica, concluindo pela existência de resultados positivos, visto que essas relações usualmente diminuem a disparidade de informações, diminuem dispêndios para atingir consensos e asseguram uma maior taxa de cumprimento de boa-fé dos contratos.
É por terem ciência do impacto do guanxi na sociedade chinesa que empresas ocidentais que desejam obter êxito no mercado desenvolvem técnicas específicas de se inserir no país.
Cita-se, por exemplo, a investida da Avon no mercado chinês. Inicialmente, a Avon enfrentava dificuldades em conseguir a entrada na China, dependente da aprovação pelo governo. Ressaltando o caráter de transferibilidade do guanxi, a Avon contou com a ajuda do banqueiro David Li, diretor do Hong Kong’s Bank of East Asia, que possuía excelente relação interpessoal com as autoridades governamentais. O envolvimento de Li no negócio resultou na aprovação necessária pelo governo chinês, e a consequente formação de uma joint venture entre a Avon e a Guangzhou Cosmetics Factory, no Cantão. Anteriormente ao ingresso de Li na operação, a Avon projetava vendas de aproximadamente $ 1.5 milhões em 1991 – valor que rapidamente saltou para $ 4 milhões, justificado pela companhia, dentre outros aspectos, pela ampla aceitação empresarial da Avon pelos parceiros locais. Atualmente, a Avon é empresa consolidada no mercado chinês.
Em declínio ou não, e apesar da existente controvérsia sobre o seu papel futuro, é fato que as transações baseadas em guanxi ainda não podem ser consideradas ultrapassadas, muito menos irrelevantes no contexto chinês.
Compreender a China vai além do conhecimento de leis e regulamentações. O entendimento do método chinês de construção de relações interpessoais, conhecido como guanxi, pode ser um fator crucial para o êxito negocial com os chineses neste novo ano chinês.
Este conteúdo foi escrito por Theo Silvério, da área de Resolução de Conflitos do Souto Correa e do Asian Desk.