Campanhas publicitárias no mercado de apostas esportivas: o que significa “publicidade socialmente responsável”?
O ano de 2024 começou com notícias importantes para o mercado das Bets, que, desde a sua legalização em 2018, vem apresentando acentuado crescimento. Dados publicados recentemente pelo Estadão indicam que o setor investiu mais de R$ 3,5 bilhões no último ano apenas no futebol brasileiro (entre patrocínios e publicidades), e obteve um aumento de 140% no número de empresas que praticam essa atividade. Além disso, somente entre janeiro e julho de 2023, os brasileiros teriam gastado mais de R$ 30 bilhões em sites de apostas no exterior – um aumento de 13 vezes em comparação com o mesmo período em 2022.
O crescimento exponencial desse setor acompanhou muitas discussões quanto à sua regulamentação – especialmente quanto às ações de publicidade e de marketing, que ocorreu a passos lentos.
A Lei 13.756/2018, que legalizou o setor, estabeleceu apenas que as ações de publicidade e de marketing deveriam ser pautadas pelas “melhores práticas de responsabilidade social”. Mas quais seriam essas “melhores práticas”?
A Medida Provisória 1.182/2023, por sua vez, se limitou-se a acrescer a necessidade de promoção de ações de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico (ludopatia) e determinou que a regulamentação das ações de publicidade e de marketing caberia ao Ministério da Fazenda e ao Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Tais medidas foram implementadas apenas no final de 2023, acrescidas ainda das disposições da recentemente sancionada Lei 14.790/2023, popularmente conhecida como Lei das Bets.
Apesar de constituírem textos independentes, há muitos pontos de conexão quanto à regulamentação das ações de publicidade e de marketing, de modo a concretizar as referidas “melhores práticas”. Nesse sentido, pode-se identificar 4 pilares: 1) a identificação publicitária; 2) a veracidade da informação; 3) a proteção de vulneráveis; e 4) a responsabilidade social e jogo responsável. Cada pilar possui suas próprias especificidades, abaixo apontadas resumidamente, sem pretensão de esgotar o tema.
O pilar da identificação publicitária destaca a necessidade de as ações de publicidade serem facilmente identificáveis e reconhecíveis no mercado, de modo a esclarecer a sua característica comercial, distinta em relação a conteúdos editoriais. Assim, o caráter publicitário da peça de comunicação deve ser prontamente reconhecível pelo apostador, devendo inclusive incluir, de modo explícito, as expressões “informe publicitário”, “publicidade” ou outro termo semelhante.
O pilar da veracidade da informação busca representar a necessária apresentação verdadeira do serviço ofertado. Nesse sentido, a peça publicitária não deve apresentar informações enganosas ou irrealistas quanto à probabilidade de ganhos ou nível de risco envolvido, nem sugerir que o aumento no número de apostas representa um aumento de possibilidade de ganho. Da mesma forma, a peça publicitária não poderá induzir o apostador ao entendimento de que a aposta gerará enriquecimento, constituirá forma de renda, ou induzir o apostador a acreditar que poderá controlar os resultados. Ainda, o anunciante deverá indicar os valores envolvidos em moeda nacional, bem como informações sobre eventual incidência de impostos e outras taxas.
Por sua vez, o pilar da proteção dos vulneráveis trata, em especial, da proteção a crianças e adolescentes, que não poderão participantes das peças publicitárias, nem se constituir como público-alvo do anunciante. Dessa forma, as peças deverão conter a indicação de que a atividade é proibida para menores de idade, bem como deverão se abster de representar a atividade de apostas como sinal de maturidade. Como consequência de tais concepções, as peças publicitárias também não poderão ser veiculadas em escolas e universidades, nem poderão utilizar linguagem ou símbolos pertencentes ao universo infanto-juvenil ou ser veiculadas em canais ou horários direcionados a menores de idade.
Por fim, o pilar da responsabilidade social e do jogo responsável representa as medidas de prevenção da ludopatia e do endividamento. Consequentemente, as peças publicitárias não poderão associar a atividade de apostas ao sucesso (entendido em sentido amplo, nos âmbitos social, profissional ou financeiro, e envolvendo, por exemplo, admiração de terceiros, superioridade, atratividade, ou sinais de coragem ou virtude), e deverão combater a aposta de modo excessivo, exagerado ou irresponsável. Igualmente, as peças publicitárias não poderão associar essa atividade à resolução de problemas (pessoais, profissionais ou financeiros). Destaque-se, ainda, que o operador dos jogos deverá dispor de mecanismos e sistemas internos de controle que permitam ao apostador estabelecer, por exemplo, um limite diário de tempo de jogo ou de aposta e um limite máximo de perda.
A conexão existente entre os pilares converge para a necessidade de inclusão, nas peças publicitárias, de cláusulas de advertência sobre os malefícios do jogo, de modo legível, ostensivo e destacado. A regulamentação editada pelo Conar sugere a adoção de uma entre 10 sugestões, a exemplo de “jogue com responsabilidade”, “apostas esportivas: pratique o jogo seguro” e “saiba quando apostar e quando parar”.
Agora, o quadro das regras para ações de publicidade e de marketing no mercado das Bets está mais evidente, e há uma visível estruturação em busca das “melhores práticas de responsabilidade social”. Isso significa que o assunto está encerrado? Certamente não – muito pelo contrário. O significado de “melhores práticas de responsabilidade social” evoluirá junto da sociedade, de modo que mudanças (e, quem sabe, melhorias) podem ocorrer ao longo dos próximos anos. Essa história está apenas no começo.
* Texto publicado originalmente no JOTA.