Dois projetos para maior segurança nos processos coletivos
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Ronaldo Kochem e Rodrigo Ustárroz Cantali
06/10/20 – ESTADÃO
No ano em que a Lei de Ação Civil Pública completou 35 anos, ganha força um movimento para a atualização e modernização da tutela coletiva. No intervalo de um mês, foram apresentados dois Projetos de Lei na Câmara dos Deputados buscando disciplinar a “Nova Lei de Ação Civil Pública”. Com algumas divergências entre si, os dois PLs trazem disposições que pretendem aumentar a segurança jurídica, a efetividade e a simplificação da tutela coletiva.
Entre os temas que serão debatidos, três apresentam destacada relevância.
O primeiro tema refere-se à relação entre processos coletivos paralelos. Não é incomum o ajuizamento de diversas ações coletivas com demandas praticamente idênticas, por diferentes entes legitimados, em diferentes Estados ou regiões, para proteção de um mesmo grupo de indivíduos e contra um mesmo réu que possui atuação nacional ou, ao menos, regional.
A existência de processos coletivos paralelos, além de contrariar a ideia de efetividade da tutela coletiva, gera um risco à segurança jurídica, com prolação de decisões conflitantes. Nas ações sobre relações de consumo, os processos paralelos não raramente exigem que um mesmo réu tenha de adotar condutas específicas para determinadas localidades sem nenhuma razão substancial subjacente para essa diferenciação, medida anti-isonômica que gera aumento de custos na atividade econômica. Ao invés de o fornecedor ter uma só operação nacional, vê-se na contingência de adotar operações regionalizadas.
Combatendo o problema, o projeto propõe regrar a litispendência e a conexão entre as ações coletivas. É necessário que um mesmo juízo decida sobre ações coletivas conexas. Quanto à litispendência, os projetos também acertam – na linha do que o STJ já decidiu – ao incorporar a análise sob a ótica dos beneficiários. Duas ações que tratam de um mesmo benefício para um mesmo grupo de indivíduos não podem ser consideradas distintas.
O segundo tema diz respeito à legitimidade de associações civis para a propositura de ações coletivas. Hoje, o requisito legalmente previsto é de que esses entes estejam constituídos há pelo menos um ano e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a defesa dos interesses e direitos indicados na lei. No entanto, em alguns casos o Poder Judiciário viu-se na necessidade de coibir a criação oportunista de associações civis para ingresso de ações coletivas, como no famoso caso em que o STJ tratou das “associações de gaveta”.
Para remediar esse problema e garantir a representatividade adequada das associações, os projetos enumeram diferentes critérios para, entre outros, serem ponderados no caso concreto. São exemplos desses critérios o número de associados, a capacidade financeira (inclusive para arcar com despesas processuais), a apresentação de histórico na defesa judicial e extrajudicial de direitos coletivos, além da exigência indispensável de prévia autorização estatutária ou assemblear para o ajuizamento da ação. Assim, deixa-se de examinar formalmente a legitimidade para procurá-la por meio da representatividade adequada da associação.
Um terceiro tema de destaque é o da abrangência da decisão. Os dois PLs convergem ao estabelecerem a eficácia em todo o território nacional. O tema, que é de extrema relevância, encontra-se pendente de novo julgamento por nossas Cortes Superiores, estando previsto julgamento pelo STF, em dezembro, sobre a constitucionalidade da limitação da sentença ao âmbito de competência territorial do julgador, conforme a atual Lei da ACP.
Com as convergências acima e com algumas divergências, os dois PLs demonstram a maturidade da tutela coletiva no Brasil e a seriedade em enfrentar relevantes problemas. Os debates parlamentares que se iniciam e que serão fomentados pelos debates acadêmicos são de grande importância para a administração de justiça e para a efetividade dos direitos, inclusive o direito de defesa. Com as leis projetadas, o direito deve ganhar em previsibilidade e efetividade.[:]