Um Balanço dos Quatro anos de vigência do CPC

[:pt] 

Ricardo Quass

17/08/20 – Valor Econômico

 

Quando o novo Código de Processo Civil entrou em vigor, em março de 2016, muitas novidades foram comemoradas. Afinal, o Código prometia que as decisões seriam mais bem fundamentadas, os honorários de sucumbência seriam mais previsíveis e justos, os prazos seriam computados em dias úteis, a jurisprudência se tornaria uniforme e estável, os processos seriam julgados em ordem cronológica, as partes poderiam criar negócios jurídicos processuais, e o processo, enfim, se tornaria mais rápido. Passados quatro anos de vigência, é possível afirmar que essas promessas foram concretizadas? Infelizmente, a resposta é negativa. Com exceção da contagem de prazos em dias úteis, muitas dessas novidades parecem não ter entrado em vigor.

Para garantir que as decisões seriam bem fundamentadas, o artigo 489, § 1º, trouxe uma lista de proibições. O juiz não pode, por exemplo, invocar lei, súmula, precedente ou conceito jurídico indeterminado, sem explicar sua relação concreta com a causa. O juiz também não pode se valer de motivos genéricos, que se prestariam a justificar qualquer outra decisão. Também é defeso ao juiz deixar de enfrentar argumentos deduzidos pela parte, que sejam capazes de infirmar a sua conclusão, bem como deixar de seguir súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a distinção ou a superação de tais entendimentos.

Na prática, contudo, muitas dessas situações proscritas continuam ocorrendo. As seguintes decisões foram extraídas de casos concretos: (i) “Não vislumbro presentes os requisitos específicos para antecipação de tutela, que indefiro”; (ii) “Vistos. Nada a declarar. Persiste a sentença tal como lançada”; (iii) “Na verdade, somente há nulidade se a decisão não contiver nenhuma fundamentação”; (iv) “Defiro o efeito suspensivo-ativo, considerando presentes os requisitos legais para tanto necessários, a fim de revogar a tutela de urgência, não se vislumbrando, de forma sumária, a probabilidade do direito invocado pela agravada”. São decisões genéricas, capazes de ser aplicadas a qualquer caso, independentemente de suas especificidades.

No que diz respeito aos honorários de sucumbência, o art. 85 estabeleceu, de forma clara, que os percentuais de 10% a 20% se aplicam “sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. A fixação por equidade só deve ocorrer quando for “inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo”.

Apesar disso, muitos juízes têm fixado valores inferiores ao piso de 10%, quando o proveito econômico, o valor da condenação ou o valor da causa forem significativos, de modo a evitar o “enriquecimento ilícito” do advogado. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, reduziu honorários de R$ 1,7 milhão para R$ 30 mil, por entender que do mesmo modo que se devem evitar os honorários ínfimos, como no preceito se assegura, igualmente o excesso não se pode conceber” (Apelação 0003675-14-2015.8.26.0529).

Esse entendimento tem sido manifestado mesmo após a Segunda Seção do STJ ter estabelecido precedente no sentido de que a fixação entre 10% e 20% constitui a regra geral, de aplicação obrigatória, devendo ser excepcional e subsidiária a fixação de honorários por equidade.

Ora, o art. 926 do CPC não estabeleceu que a jurisprudência deve ser “estável, íntegra e coerente”? Como explicar que juízes não sigam o entendimento fixado pelo órgão responsável por uniformizar a jurisprudência das turmas de direito privado do STJ, tribunal que dá a última palavra na interpretação da lei federal? A resposta é simples: se, como visto, muitas vezes o texto expresso da lei é solenemente ignorado, não se pode realmente esperar que a jurisprudência se mantenha estável, íntegra e coerente.

Casos idênticos continuam sendo decididos de forma discrepante. Basta pensar em um tema que deveria ter uma interpretação tranquila, mas que amiúde é fonte de controvérsias: a prescrição. Apenas em 2019, ou seja, 16 anos após a entrada em vigor do Código Civil, a Corte Especial do STJ decidiu que o prazo prescricional para o exercício de pretensão de reparação civil fundada em contrato é de 10 anos. Antes disso, quantos processos foram extintos, pelo próprio STJ, por se considerar que o prazo aplicável seria o de 3 anos? E quantas demandas deixaram de ser ajuizadas, ante o risco de serem consideradas prescritas?

Os tais negócios jurídicos processuais só são vistos em livros e teses acadêmicas. Uma das varas empresariais de São Paulo tem indeferido a tramitação em segredo de justiça de processos que versem sobre arbitragem, por entender que o art. 189, IV, seria inconstitucional. Ora, se as partes não podem confiar nem mesmo em um texto expresso de lei, que garante a confidencialidade de litígios relacionados à arbitragem, como poderão confiar que as regras processuais por elas criadas serão respeitadas pelo juiz?

Por fim, cabe a pergunta: o processo civil se tornou mais rápido com o novo CPC? Não há estatísticas para amparar uma resposta segura, mas a impressão geral de quem lida com o processo é que não. O problema da morosidade não está na lei, mas na estrutura do Poder Judiciário e no modo como o processo é gerenciado pelo juiz e pelo cartório.[:]

Sou assinante
Sou assinante