Vai à Sanção o Projeto de Lei nº 3.817/2024

Vai à Sanção o Projeto de Lei nº 3.817/2024

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o Projeto de Lei nº 3.817/2024 em 18 de dezembro de 2024, marcando um passo significativo para alinhar o sistema tributário nacional às propostas do Inclusive Framework BEPS 2.0 da OCDE/G20, mais especificamente às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE).

As principais regras de que trata o referido projeto de lei já estavam vigentes no Brasil desde que foram publicadas a Medida Provisória nº 1.262/2024 e a Instrução Normativa 2.228, em 03 de outubro de 2024. O Projeto de Lei 3.817, pendente de sanção pelo Presidente da República, traz algumas adições ao tema.

O projeto, do deputado José Guimarães (PT-CE), repete a Medida Provisória nº 1262/24, que segue em vigor até março de 2025 e ainda não foi apreciada. A exposição de motivos da MP calcula que a norma gere um aumento estimado de receita tributária de R$ 3,44 bilhões em 2026, R$ 7,28 bilhões em 2027 e R$ 7,69 bilhões em 2028.

De forma geral, essas medidas legislativas visam reduzir a arbitragem tributária entre diferentes jurisdições, estabelecendo uma alíquota mínima global para o imposto sobre a renda para prevenir a transferência de lucros para jurisdições de tributação favorecida. Adicionalmente, do ponto de vista brasileiro, o momento parece visar ao fortalecimento das receitas públicas e à redução do déficit fiscal atual, refletindo um esforço estratégico para estabilizar a situação fiscal do governo.

Embora formalmente o Brasil afirme estar adotando as Regras GloBE em sua totalidade, na verdade, neste momento o Poder Executivo trouxe apenas regras relativas ao Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado (no original, Qualified Domestic Minimum Top-up Tax ou QDMTT). O QDMTT é voltado para proteger a base tributária do país de origem (no caso, o Brasil) criando uma tributação adicional sobre a renda para que a Alíquota Efetiva de Tributação (AET) local não seja inferior a 15% em qualquer ano calendário.

De acordo com o Projeto de Lei nº 3.817/2024, a introdução da lncome Inclusion Rule (IIR) deverá ser feita durante o primeiro semestre do exercício de 2025, por meio de proposta legislativa que tenha por objetivo reformar as regras de tributação em bases universais de que trata a Lei nº 12.973/2014, de acordo com as diretrizes do Pilar Dois da OCDE e adotando um regime de CFC (Controlled Foreign Corporation Rules), que deverá ser orientado com base nas seguintes diretrizes:

  • proteção e prevenção à erosão da base tributária, especialmente mediante a transferência de lucros entre entidades;

  • concorrência internacional das empresas brasileiras com investimentos produtivos no exterior;

  • necessidade de equilibrar a precisão das regras com a redução do ônus da administração e de conformidade, inclusive com a possibilidade de adoção de critérios objetivos para determinação dos elementos que compõem a norma; e

  • prevenção ou eliminação da dupla-tributação.

Como o Pilar 2 funciona na prática

O principal ponto de referência das Regras GloBE é a Entidade Constituinte (EC). Uma EC é essencialmente qualquer entidade legal que faça parte de um Grupo de Empresas Multinacional (Grupo MNE). Como regra geral, desde que o Grupo MNE tenha uma receita anual igual ou superior a EUR 750 milhões, as ECs brasileiras estão sujeitas ao QDMTT. Isso significa que, se a AET de qualquer EC em qualquer ano fiscal for inferior a 15% dos lucros calculados com base no BRGAAP (considerando vários ajustes possíveis), ela estará sujeita a um tributo local adicional (CSLL Adicional) para compensar a diferença.

Assim, qualquer análise do impacto das Regras GloBE nas operações dos contribuintes deve ser realizada individualmente para revisar os principais verticais de investimento, suas estruturas intermediárias e a Entidade Investidora Final. É totalmente possível que algumas verticais possam estar sujeitas às Regras GloBE, enquanto outras, embora relacionadas, mas não tecnicamente parte do Grupo MNE, possam não estar.

Uma inovação interessante trazida pelo PL foi a transposição para o direito brasileiro das regras propostas pela OCDE para o cálculo de diferenças temporárias. De acordo com a redação proposta, no cálculo dos Tributos Abrangidos Ajustados, as diferenças temporárias serão tratadas ajustando-se a despesa tributária corrente da Entidade Constituinte no Ano Fiscal pelo Valor Total do Ajuste por Tributos Diferidos.

Sendo que o Valor Total do Ajuste por Tributos Diferidos de uma Entidade Constituinte para o Ano Fiscal será igual à despesa tributária diferida, registrada em suas demonstrações financeiras no caso de a alíquota do tributo aplicável ser inferior a 15% ou, em qualquer outra hipótese à despesa tributária diferida, recalculada à alíquota de 15% com relação aos Tributos Abrangidos no Ano Fiscal, sujeito aos ajustes estabelecidos quando da regulamentação pela Receita Federal.

Como ficam os incentivos fiscais atuais?

Como se pode perceber, qualquer incentivo fiscal que resulte na redução da AET pode se tornar algo prejudicial caso esta passe a ser menor que 15%. A OCDE foi em certa medida receptiva ao pleito dos países em desenvolvimento e permitiu que alguns tipos de incentivos que resultem formalmente na redução do AET sejam computados como aumento de receita, o que reduz significativamente seu impacto na verificação da AET.

Nesse sentido, o PL autoriza o Poder Executivo, a partir de 2026, a converter total ou parcialmente, sem prejuízo ao beneficiário, os incentivos fiscais da Sudam e da SUDENE em um crédito financeiro classificável como um Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado, sendo que esse crédito financeiro poderá ser objeto de compensação com débitos próprios, vincendos ou vencidos, relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, ou ressarcimento em dinheiro.

Nota-se, contudo, que ainda existem diversos outros incentivos fiscais que resultam na redução do AET que precisariam também ser amoldados para evitar que o contribuinte seja prejudicado. Contudo, até o momento, apenas o lucro da exploração parece ter sido contemplado.

Ajustes pontuais nas Regras de TBU

Ainda, o projeto de lei, ao alterar a Lei nº 12.973/2014, determina que até 2029, a parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre a renda, excetuando a variação cambial, poderá ser computada de forma consolidada na determinação do lucro real e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil.

Com essa mudança legislativa, a pessoa jurídica poderá deduzir, na proporção de sua participação, o imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada direta ou indireta, incidente sobre as parcelas positivas computadas na determinação do lucro real da controladora no Brasil, até o limite dos tributos sobre a renda incidentes no Brasil sobre as referidas parcelas, no entanto,  a determinação do montante de Imposto pago pela controlada direta ou indireta da pessoa jurídica deverá observar a regulamentação a ser editada pela RFB.

Mais do que isso, o PL posterga até 2029 a possibilidade de deduzir até 9% (nove por cento), a título de crédito presumido, sobre a renda incidentes sobre a parcela positiva computada no lucro real relativos a investimento em pessoas jurídicas no exterior que realizem as atividades de fabricação de bebidas, de fabricação de produtos alimentícios e de construção de edifícios e de obras de infraestrutura, além das demais indústrias em geral.

Próximos Passos para os Contribuintes

Os Grupos MNE devem implementar uma revisão completa da estrutura corporativa brasileira para poder filtrar todos os diferentes aspectos das regras brasileiras e utilizar o período de transição oferecido para implementar estratégias para mitigar os efeitos mais gravosos da norma.

Mais ainda, nos parece que a análise de cada EC deve ser realizada individualmente devido às particularidades das verticais e das atividades. Além disso, as reduções disponíveis, como a Exclusão do Lucro Baseada na Substância, estarão sujeitas a uma redução anual (para amortecer o período de transição) de forma que o impacto total deve ser considerado tomando como base intervalos anuais, contudo sem perder a perspectiva plurianual das modelagens econômico-financeiras.

Embora a regulamentação seja muito recente, alguns pontos foram levantados sobre os requisitos de preenchimento de obrigações acessórias às autoridades fiscais e as multas relacionadas. Com base nas disposições atuais, essas multas serão significativas. Portanto, é necessário um entendimento claro das regras e dos procedimentos futuros não apenas para cumprir as regras na estrutura atual, mas também para mitigar riscos de não conformidade no futuro, independentemente do impacto real estimado para o CSLL Adicional.

Riscos

Ainda que o contribuinte tenha uma AET superior a 15%, é importante ressaltar que a norma inaugurou um conjunto relevante de obrigações acessórias que precisam ser adimplidas de forma recorrente. Nesse campo, o PL inova favoravelmente ao contribuinte ao reduzir o limite das multas relativas à falta de apresentação de informações necessárias à apuração do Adicional da CSLL de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões.

A equipe Tributária do Souto Correa está acompanhando a questão de perto e está disponível para fornecer mais informações sobre o assunto.

Sou assinante
Sou assinante