Os desafios para os próximos 33 anos do Código de Defesa do Consumidor

Por Roberta Feiten, Flávia do Canto e Joana Rosin

O aniversário de 33 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma ótima oportunidade para refletir a respeito dos desafios para os próximos anos e das perspectivas futuras para as relações de consumo.

É inegável o relevante papel dos Procons na proteção e defesa dos consumidores. A autonomia das diferentes autoridades estaduais e municipais e o papel fiscalizatório e sancionatório de sua atuação viabilizam a aplicação prática e pulverizada do CDC às relações de consumo, mas há também problemas decorrentes da potencial multiplicidade de sanções por diferentes autoridades, impostas em decorrência de uma mesma prática adotada por um mesmo fornecedor.

A questão é especialmente relevante para fornecedores que atuam a nível nacional, visto que é possível, e até mesmo comum, atualmente, que tramitem ao mesmo tempo procedimentos administrativos instaurados por Procons ou Ministérios Públicos de localidades diferentes, e que referidos órgãos possuam interpretações e entendimentos distintos a respeito dos mesmos fatos. Nada obstante, a aplicação de múltiplas penalidades gera, além da insegurança jurídica, possível bis in idem. O valor total das multas, ademais, pode atingir patamares exorbitantes.

O Decreto Federal nº 2.181/97, que estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC e dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), trata de alguns mecanismos úteis caso seja instaurado mais de um processo administrativo para apuração de infração decorrente de uma mesma conduta imputada ao mesmo fornecedor.

Os artigos 5º, parágrafo único, 15 e 16 do Decreto Federal nº 2.181/97 dispõem sobre o conflito de competência, a ser dirimido pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), e sobre a remessa ao órgão coordenador do SNDC, que será o responsável por apurar o fato e aplicar eventuais sanções. Ainda, caso os processos administrativos em trâmite em mais de um estado envolvam interesses difusos ou coletivos, é possível a avocação de competência pela Senacon. No entanto, na prática, esses mecanismos não têm sido largamente aplicados e muitas autoridades seguem atuando de forma isolada e baseada em portarias próprias, o que representa um grande desafio.   

Desafios e expectativas também existem quanto às simultâneas investigações e ações judiciais envolvendo a mesma conduta e o mesmo fornecedor que ocorrem no caso de ações civis públicas propostas em diversos estados, mas com pedido de abrangência nacional à decisão, e há, inclusive, um Projeto de Lei em curso sobre o tema (PL nº 4778/2020).

Outros desafios e perspectivas futuras envolvem a regulamentação da inteligência artificial (IA) e os impactos que essa tecnologia trará para as relações de consumo, sendo possível que seu uso seja ampliado cada vez mais para o atendimento ao cliente (embora siga sendo importante a possibilidade de atendimento humano). Muito tem se discutido sobre a regulamentação da IA no Brasil e há grande expectativa sobre o cenário legislativo e a relação com a proteção dos consumidores.

Da mesma forma, é preciso estar atento às novas tecnologias e novos modelos de negócio, inclusive os que surgirão, como plataformas de serviços, intermediação e economia compartilhada, por exemplo. No ponto, é necessário ter cuidado para não se recorrer genericamente a princípios do CDC para inviabilizar tais modelos de negócios, pois o Código prevê, em seu artigo 4º, a compatibilização da proteção dos consumidores com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico dos fornecedores, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, consoante artigo 170 da Constituição Federal.

As recentes transformações e regulamentações do CDC igualmente prometem diversos impactos futuros. É o caso da lei nº 14.181/2021, que acrescentou ao Código a disciplina do crédito ao consumidor e a prevenção e tratamento do superendividamento (artigos 54-A e seguintes). Se espera que, a partir da lei, o processo de repactuação de dívidas passe a ser mais efetivo e prático, trazendo consequências positivas para parcela significativa da população.

Já a lei nº 13.146/2015, que enfatizou a inclusão dos portadores de deficiência dentre os protegidos pelo CDC, ainda precisa de maior regramento para que possa ter aplicação efetiva no futuro. Com relação à LGPD (lei nº 13.709/2018), a expectativa é que a fiscalização pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) não seja conflituosa com a fiscalização pelas autoridades de proteção e defesa do consumidor.

Por fim, o mercado nacional tem sido positivamente influenciado por tendências europeias de consumo consciente, direito ao reparo e economia circular, com influência também pelas normas de ESG, que visam a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Os próximos anos, assim, certamente estarão repletos de mudanças e avanços em prol das relações de consumo.

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