ANCINE regulamenta novas regras para recursos de acessibilidade
ANCINE publica nova instrução normativa para acessibilidade em segmentos de distribuição e exibição cinematográfica
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) regulamentou o provimento de recursos de acessibilidade visual e auditiva nos segmentos de distribuição e exibição cinematográfica. A Instrução Normativa nº 165/2022, publicada no Diário Oficial da União em 30/09/2022, apresenta a atualização das regras para acessibilidade, revogando a Instrução Normativa nº 128/2016, que era o principal instrumento normativo orientador sobre os recursos.
A nova instrução normativa aprimora movimento anterior, de 15/09, da Agência também voltado à atualização das regras sobre acessibilidade pelo qual já se excluíra a obrigação de prover recursos de acessibilidade em “modalidade fechada individual”, retirando a obrigação de quantitativo mínimo de equipamentos para fruição individual. Na ocasião, também passou a ser previsto que o suporte técnico que garante a disponibilidade e recursos de acessibilidade passaria a observar o princípio da adaptação razoável[1]. Ainda, foi permitida “pactuação entre exibidor e distribuidor” para a escolha das tecnologias assistivas a serem empregadas nas cópias distribuídas. Antes, pela Instrução original de 2016, cabia somente ao distribuidor a decisão. Vale ainda mencionar o acréscimo de dispositivo que determina que “exibidores e distribuidores estarão sujeitos às penalidades previstas na Instrução Normativa nº 109/2012 caso se identifique a presença de “barreira que dificulte ou impeça o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias assistivas pactuadas entre os mesmos”.
A IN nº 165/2022, então, consolidando as normas sobre acessibilidade, conforme Deliberação de Diretoria Colegiada nº 1865-E/2022, traz importantes definições que complementam as disposições já previstas. São definidas “barreiras atitudinais” como “atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas” e “barreiras tecnológicas” como “as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias”.
Outra importante alteração normativa trazida com a IN nº 165/2022 é a não manutenção do Anexo à IN nº 128/2016 que previa o número mínimo de equipamentos e suportes individuais voltados à promoção da acessibilidade visual e auditiva por quantidade de salas do complexo de exibição comercial. Assim, por exemplo, a partir de 13 salas, eram necessários 15 equipamentos. Agora, em atenção ao princípio da adaptação razoável trazido pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e ratificado na própria IN, as salas de cinema deverão realizar as adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais.
Ainda, é incluída nova penalidade por meio do Art. 24-B na Instrução Normativa ANCINE nº 109/2012 que justamente regulamenta o processo administrativo para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas atividades cinematográfica, videofonográfica e de comunicação audiovisual de acesso condicionado. Assim, os distribuidores que não disponibilizarem os recursos de tecnologia assistiva passam a se sujeitar a penalidades que variam entre advertência e multa de R$ 100 mil.
Apesar de quase a integralidade da IN nº 165/2022 ter entrado em vigor em 30/09, as disposições previstas nos Artigos 3º (obrigação de o exibidor garantir a acessibilidade em sessões comerciais de sala de cinema) e 4º (obrigação de o distribuidor disponibilizar as cópias das obras audiovisuais com os recursos de acessibilidade) passarão a produzir efeitos a partir de 02/01/2023.
No contexto da Deliberação de Diretoria Colegiada nº 1865-E/2022, em reunião realizada em 29/09/2022, a ANCINE também decidiu pela criação da Câmara Técnica de Exibição, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, sob a coordenação da Diretoria Colegiada e apoio técnico da Secretaria de Políticas Regulatórias (SRG), composta por representantes dos diversos segmentos da cadeia produtiva do audiovisual e especialistas do setor, a serem definidos em ato específico do Diretor-Presidente, tendo como objetivos (i) a avaliação do mercado de salas de exibição, inclusive no que se refere à implementação dos recursos de acessibilidade visual e auditiva; (ii) a discussão e o debate sobre as políticas de regulação e financiamento da produção, distribuição e exibição cinematográfica; e (iii) o planejamento de ações e iniciativas para o desenvolvimento das atividades cinematográficas, especialmente diante do cenário de inovação, transformações tecnológicas e mudanças nos hábitos de consumo.
A importância da Câmara está no fato de poder agregar diferentes contribuições dos setores interessados nos processos normativos da Agência, ao estreitar o relacionamento entre o órgão regulador e demais entidades do setor, além da sociedade civil.
Em que pese ter entrado em vigor há pouco tempo, a IN ANCINE nº 165/2022 já suscita questionamentos[2] ao ser interpretada como um retrocesso ao direito fundamental de acesso à cultura das pessoas com deficiência, afrontando a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, além de outros diplomas internacionais. Isso porque houve a exclusão da modalidade fechada individual, reconhecida como ideal, por possibilitar a fruição dos recursos de acessibilidade à parcela dos espectadores em sala de cinema, por meio do uso de dispositivos móveis. Nesse modelo, não se verifica a segregação do público em sessões acessíveis e não acessíveis a pessoas com deficiência, como ocorreria em modalidade fechada coletiva, em que os recursos são recepcionados por todos os espectadores.
Outro ponto que vem sendo discutido diz respeito ao eventual descumprimento da Lei das Agências Reguladoras, tendo em vista a não realização de Consultas Públicas e Análises de Impacto Regulatório, ao contrário do que ocorreu com a IN nº 128/2016, restringindo a participação social dos debates e discussões acerca de temática tão relevante e de interesse público. A ANCINE, por sua vez, informou que, para a alteração normativa, foram realizadas três reuniões técnicas internas que contaram com a participação de representantes de entidades de pessoas com deficiência; representantes de empresas que fornecem tecnologia assistiva e representantes dos setores de exibição e distribuição cinematográfica.
A íntegra do texto da Instrução Normativa ANCINE nº 165/2022 pode ser consultada aqui.
Contato
Gabriella Salvio – gabriella.salvio@soutocorrea.com
[1] Entende-se por adaptação razoável aquelas modificações e ajustes necessários que não tragam ônus desproporcional e indevido, realizadas com o escopo de garantir que a pessoa com deficiência possa exercer ou gozar todos os direitos e liberdades fundamentais em igualdade de condições e oportunidade com as demais pessoas.
Vide art. 2º, IV, da Resolução nº 230 do CNJ e Art. 3º, VI, da Lei nº 13.146/2015
[2] https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/noticia/2022/10/ancine-flexibiliza-regras-de-acessibilidade-nas-salas-de-cinema.ghtml