CVM Publica Novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento

CVM Publica Novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou, no último dia 23 de dezembro de 2022, a Resolução CVM nº 175 (“Resolução 175”), que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços relacionados a esses fundos.

A referida norma teve como diretriz geral refletir as inovações ao regime jurídico dos fundos de investimento introduzidas pela Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica (“LLE”) como, por exemplo, a possibilidade de limitação de responsabilidade para os cotistas dos fundos e para os prestadores de serviços a ele relacionados (sem solidariedade), bem como a possibilidade de constituição de diferentes classes de cotas, no âmbito de um mesmo fundo de investimento, com patrimônios segregados e afetados.

A norma também representa um avanço substancial da CVM no objetivo de reduzir o custo de observância para os participantes do mercado, na medida em que revoga 48 normativos esparsos sobre o tema e dá um tratamento geral unificado para todos os fundos de investimento, com regramentos especiais para os Fundos de Investimento Financeiros (“FIF”), anteriormente denominados de “fundos 555”, e para os Fundos de Investimento em Direito Creditório (“FIDC”), ambos tratados em anexos normativos da referida Resolução.

A CVM deverá editar anexos específicos para outras categorias de fundos de investimento – como é o caso dos FIP – antes da data de entrada em vigor da norma, em 3 de abril de 2023.

Os fundos de investimento que estejam em funcionamento, na data de início da vigência da norma, devem adaptar-se integralmente às disposições da Resolução 175 até 31 de dezembro de 2024, com exceção dos FIDC, que devem se adaptar até 31 de dezembro de 2023.

Podem ser destacados como principais pontos: 

  • Limitação de responsabilidade dos cotistas: em linha com a inovação trazida pela LLE, a Resolução 175 formalizou, no âmbito da regulamentação da CVM, o instituto da limitação de responsabilidade dos cotistas ao valor subscrito de suas respectivas cotas (art. 18). A limitação de responsabilidade deverá ser formalizada por meio de alteração no regulamento do respectivo fundo, a qual poderá ser implementada pelo gestor ou administrador independente da convocação de assembleia geral de cotistas (art. 135), e cuja denominação do fundo, ou da classe do fundo, deverá ser acrescida o sufixo “Responsabilidade Limitada” (art. 5º, § 3º). Caso a responsabilidade dos cotistas não esteja limitada ao valor por eles subscrito e a política de investimento admita a possibilidade de exposição ao risco de capital, cada um dos cotistas deverá assinar um termo de ciência no qual atesta que poderá ser chamado a cobrir um eventual patrimônio líquido negativo do fundo (Suplemento A da Resolução 175).
  • Constituição de diferentes classes de cotas: outra inovação bastante relevante, também em linha com a LLE, diz respeito à possibilidade de existência de diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos, devendo o administrador constituir um patrimônio segregado para cada classe de cotas (art. 5º). Tal inovação permitirá aos administradores inovar na estruturação de seus produtos, sem que o conjunto de cotistas de determinada classe responda por obrigações de outra classe. Todas as classes devem pertencer à mesma categoria do fundo, não sendo permitida a constituição de classes de cotas que alterem o tratamento tributário aplicável em relação ao fundo (art. 5º, § 1º).
  • Patrimônio líquido negativo e insolvência civil: a Resolução 175 institui o regime de insolvência civil para as respectivas classes de cotas que operem com patrimônio líquido negativo e não revertam tal situação de acordo com os procedimentos pré-estabelecidos, sendo o pedido de declaração judicial de insolvência de competência privativa da assembleia de cotistas (art. 70, inc. VII). A norma também estabelece um plano de resolução de patrimônio líquido negativo (art. 122), o qual poderá estabelecer o aporte de recursos, próprios ou de terceiros; a cisão, fusão ou incorporação do fundo ou da parcela segregada do patrimônio do fundo referente à classe de cotas insolvente a outro fundo; ou a liquidação do fundo ou da classe de cotas insolvente. A existência de patrimônio líquido negativo enseja que o administrador fiduciário divulgue fato relevante e comunique a existência do patrimônio líquido negativo ao gestor, o qual será responsável pela elaboração do plano de resolução conjuntamente com o administrador.
  • Responsabilidades dos prestadores de serviço: em linha com a LLE (que prevê a possibilidade de limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços do fundo de investimento aos respectivos deveres de cada um, sem solidariedade), a norma utilizou a expressão “prestadores de serviços essenciais” para designar o administrador e o gestor do fundo de investimento, cujas funções específicas estão elencadas nas subseção I (arts. 82 e 83) e subseção II (arts. 84 e 85) da Seção II da Resolução 175, respectivamente. Ainda que possuam responsabilidades segregadas em relação às respectivas esferas de atuação, estes prestadores de serviços essenciais possuem também responsabilidades conjuntas, como no caso da gestão de liquidez nas classes abertas (art. 92) e da constituição do fundo e aprovação de seu respectivo regulamento (art. 7º).
  • Negociação com uso indevido de informação privilegiada (insider trading): a vedação a prática de insider trading foi originalmente proposta no âmbito dos fundos de investimento imobiliários (“FII”), objeto de audiência pública específica (AP nº 08/2021), sendo posteriormente incorporadas à Resolução 175 para que sua aplicação se desse no âmbito de todas as cotas de fundos negociadas em mercados organizados. Neste sentido, é vedado o uso de informação relevante ainda não divulgada, para obtenção de vantagem própria ou para outrem (art. 45). A norma também estabelece uma série de presunções relativas de que pessoas próximas às decisões de gestão têm conhecimento do caráter privilegiado da informação quando de sua negociação – como no caso do diretor do administrador responsável pelo fundo; dos diretores do gestor que participam das decisões relacionadas à gestão de carteira; dos cotistas que participam das decisões de investimento; bem como daqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com o fundo (art. 46).
  • Fundos socioambientais: nos termos do art. 49, a norma estabelece que os fundos, ou classes de fundos, cuja denominação contenha referência a fatores ambientais, sociais e de governança (“ASG”) devem estabelecer em seus respectivos regulamentos: (i) quais os benefícios de ASG esperados e como a política de investimento busca originá-los; (ii) quais metodologias, princípios ou diretrizes são seguidas para a qualificação do fundo ou da classe; (iii) qual a entidade responsável por certificar ou emitir parecer de segunda opinião sobre a qualificação, se houver; e (iv) especificação sobre a forma, o conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ASG alcançados pela política de investimento no período e o agente responsável pela sua elaboração.

Já no âmbito dos FIF, anteriormente referidos pela expressão “fundos 555” e que são regulamentados pelo Anexo Normativo I da Resolução 175, podem ser destacados os seguintes pontos principais: 

  • Aplicação direta em criptoativos e créditos de carbono: a regulamentação inclui no conceito de “ativos financeiros” os criptoativos e créditos de carbono, permitindo, portanto, que haja a aplicação direta nesses ativos por meio desta categoria de fundos, sem a necessidade de constituição de estrutura indireta para aplicação nestes ativos. Em relação aos créditos de carbono, há a exigência de que estes estejam registrados em sistema de registro e de liquidação financeira autorizado pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil (art. 2º, inc. I, “c”). Já quanto aos criptoativos, estes só podem compor a carteira do FIF se forem negociados em entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM, ou, em caso de operações no exterior, por supervisor local que possua competência legal para supervisionar e fiscalizar tais operações.
  • Aplicação em ativos no exterior: a norma também permite que o FIF, ou classes de cotas de FIF, sejam destinados ao público em geral e possam investir até a totalidade do patrimônio em ativos financeiros no exterior, desde que obedeçam a determinados requisitos – elencados no art. 41 e seguintes do Anexo Normativo I – como, por exemplo, que os ativos sejam registrados em sistema de registro, objeto de escrituração de ativos, custódia ou de depósito central, por instituições devidamente autorizadas e supervisionadas por supervisor local (art. 41, § 2º), bem como que o fundo possua administrador, gestor, custodiante ou prestadores de serviços que desempenhem funções equivalentes e sejam capacitados, experientes, de boa reputação e devidamente autorizados a exercer suas funções por supervisor local (art. 42, inc. II).

Por fim, em relação ao regramento próprio para os FIDC, que compõe o Anexo Normativo II da Resolução 175, podem ser destacados os seguintes pontos principais: 

  • Ampliação dos créditos passíveis de serem lastro do FIDC: a referida norma ampliou a definição de “direitos creditórios” que podem compor a carteira dos FIDC, aqui incluídos quaisquer direitos ou títulos representativos de crédito, valores mobiliários representativos de créditos; certificados de recebíveis e títulos de securitização; e outras cotas de FIDC (art. 2º, inc. XII). A norma também define os “direitos creditórios não-padronizados”, assim definidos como aqueles que estejam vencidos ou pendentes de pagamento quando a cessão, decorrentes de receitas públicas originárias da administração pública direta; sejam de existência futura e montante desconhecido, desde que emergentes de relações já constituídas, bem como as demais situações elencadas no art. 2º, inc. XIII. As classes de cotas cuja política de investimento admita a aquisição de direitos creditórios não-padronizados são de subscrição exclusiva de investidores profissionais (art. 15).
  • Distribuição ao público em geral: o Anexo Normativo II autoriza a distribuição de cotas de FIDC ao varejo, desde que sejam cumpridos os requisitos elencados no art. 13 do referido anexo como, por exemplo: (i) que público em geral não possa adquirir cotas subordinadas; (ii) que o regulamento estipule um cronograma para amortização de cotas ou distribuição de rendimentos; e (iii) subclasse de cotas seniores seja objeto de classificação de risco por agência classificadora de risco registrada na CVM.

A íntegra da Resolução 175 está disponível aqui.

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