Regulação de Plataformas Digitais: A carta de Lula à Unesco e o Projeto de Lei Nº 2768/2022

Na última quarta-feira, dia 22/02, foi divulgada a carta (veja aqui) encaminhada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), no contexto da realização da Conferência Internet for Trust, por meio da qual foi promovido debate sobre a definição de diretrizes para a regulamentação de plataformas digitais de informação como bem público (veja aqui a minuta em inglês). Após mais de 4.300 pessoas participarem da conferência, a UNESCO prevê a divulgação do documento final, com as devidas contribuições, em setembro de 2023.

Em sua carta, Lula defende uma regulamentação específica para as plataformas digitais, especialmente aquelas enquadradas como Big Techs (Apple, Microsoft, Amazon, Meta e Alphabet). Apesar de reconhecer sua importância, Lula afirma que o modelo atual do ambiente digital traz riscos à democracia, principalmente quando diante da disseminação de fake news. Por fim, o Presidente reforça que a regulação deve ser feita com transparência e participação social, devendo ser coordenada de forma multilateral entres as nações.

Também na última semana, o STF julgou a ADC 51 (veja aqui), em que foi decidida a constitucionalidade do Acordo Brasil-EUA MLAT (Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal), o qual dispõe sobre a obtenção de conteúdo de comunicação privada sob controle de provedores de aplicativos de internet sediados fora do país. A decisão é mais um movimento de endurecimento de regras sobre as plataformas digitais, uma vez que, para além do mecanismo previsto no MLAT (via diplomática, à autoridade competente do país sede da empresa), poderão ser requisitados os dados diretamente aos representantes das plataformas no Brasil ou exterior, conforme disposição do art. 11 do Marco Civil da Internet.

No Brasil, para além do Projeto de Lei nº 2630/2020 (PL das Fake News), que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e cujas medidas são endereçadas para as plataformas com mais de 2 milhões de usuários, inclusive estrangeiras, desde que ofertem serviços ao público brasileiro, foi proposto em novembro de 2022 o Projeto de Lei nº 2.768/2022 (PL das Plataformas Digitais) que visa a disciplinar a regulação das plataformas.

O Projeto de Lei n° 2.768/2022, de autoria do deputado federal João Maia do PL/RN, apresentado em 10/11/2022 à mesa diretora da Câmara dos Deputados, busca regular e fiscalizar a operação de plataformas digitais no Brasil, com foco sobre as plataformas digitais que detenham poder de controle de acesso essencial. O PL justifica sua necessidade (art. 5º) pelo desenvolvimento econômico com ampla e justa concorrência; fomento à massificação de novas tecnologias; incentivo à interoperabilidade e incentivo à portabilidade de dados.

As plataformas digitais são definidas como modalidades de aplicações de internet, conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet (art. 6º). Estas incluem (i) serviços de intermediação online; (ii) ferramentas de busca; (iii) redes sociais; (iv) serviços de computação em nuvem; (v) plataformas de compartilhamento de vídeo; (vi) serviços de comunicações interpessoais; (vii) sistemas operacionais e (viii) serviços de publicidade online ofertados por operador das plataformas digitais.

O texto propõe a alteração da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de forma a ampliar a competência da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) que passará a disciplinar, fiscalizar e sancionar as plataformas digitais. Segundo o art. 3º do PL, a Anatel terá competência para: (i) expedição de normas; (ii) deliberação administrativa quanto à interpretação da legislação; (iii) composição de conflitos de interesses entre operadores e usuários de plataformas; (iv) repressão a infrações dos direitos dos usuários e exercício da competência de defesa da ordem econômica, ressalvadas atribuições do CADE.

Segundo o PL, os operadores “detentores de poder de controle de acesso essencial” são os operadores das plataformas digitais que auferem receita operacional anual igual ou superior a R$ 70 milhões com a oferta de serviços ao público brasileiro (art. 9º). O projeto atribui algumas obrigações (art. 10) a tais operadores, como (i) transparência e fornecimento de informações à Anatel sobre a prestação de seus serviços; (ii) tratamento isonômico e não discriminatório na oferta de serviços aos usuários, (iii) não recusa de provisão de acesso à plataforma digital a usuários profissionais e (iv) utilização adequada dos dados coletados no exercício de suas atividades.

O Projeto também prevê expressamente que todos os atos de concentração econômica ou qualquer forma de agrupamento societário das plataformas digitais deverão ser submetidos ao CADE (art. 13).

Em âmbito fiscalizatório (art. 16), a Anatel poderá reprimir infrações da ordem econômica ao aplicar sanções, como advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas coercitivas; multa de até 2% do faturamento do grupo econômico no Brasil; e suspensão temporária ou a proibição das atividades. No caso de empresas estrangeiras, filiais, sucursais, escritórios ou estabelecimentos situados no Brasil responderão solidariamente pelo pagamento de multas.

Ainda, por meio do PL nº 2768/2022, todas as plataformas digitais serão consideradas como Serviço de Valor Adicionado – SVA (art. 8º). Pela LGT, entende-se por SVA toda atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. Atualmente, a Anatel não possui competência sobre os SVAs, visto que a LGT, em seu art. 61, § 1º afirma que o serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações e, portanto, seu provedor seria um mero usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte. Daí, a necessidade de se alterar a LGT, que passará a prever, se aprovado o PL conforme atual proposição, competência da Anatel sobre esses SVAs.

Outro aspecto significativo do PL nº 2768/2022 é a criação de um Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais – FisDigi (arts. 14 e 15) que terá como uma das fontes de receita taxa de fiscalização cobrada dos operadores das plataformas digitais detentores de poder de controle de acesso essencial. A taxa será paga anualmente, até 31/03, em valores correspondentes a 2% da receita operacional bruta auferida pelas empresas. O PL, assim, replica a realidade das operadoras de serviços de telecomunicações que precisam arcar com taxas setoriais anualmente, tais como, FUST (fundo de universalização das telecomunicações), Funttel (fundo para o desenvolvimento tecnológico das telecomunicações) e Fistel (fundo de fiscalização das telecomunicações).

O PL das Plataformas Digitais, como um todo, possui clara inspiração no Digital Markets Act, normatização das plataformas digitais aprovada em 2022 pela União Europeia. Em âmbito europeu, o critério para a normatização deste tipo de serviço tem como escopo o fortalecimento econômico com impacto direto na economia interna da União Europeia, fortalecimento da intermediação entre usuários e prestadores de serviços e a consolidação de empresas no mercado.

Salientamos, ainda, que o PL nº 2768/2022 tramita na Câmara dos Deputados submetido à deliberação conclusiva das comissões permanentes, de forma que não necessariamente passará pelo Plenário. Atualmente, o projeto encontra-se na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDE), devendo passar ainda pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTI), Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e, por fim, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Sem dúvida, o PL das Fake News e das Plataformas Digitais suscitarão muitos debates ao longo de 2023, e trarão importantes mudanças no ambiente regulatório para as Big Techs e plataformas digitais. Seguiremos acompanhando e atualizando nossos leitores.

A íntegra do texto do PL nº 2768/2022 pode ser consultada aqui.
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