06.02.2014 – Societário – Edição 02
A LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIETÁRIAS
No último ano o Brasil caiu três posições com relação ao Índice de Percepção de Corrupção, ficando em 72º lugar entre 177 países, atrás de países como Gana, Namíbia e Ruanda. Até o momento, além da legislação penal, que permanece plenamente aplicável, só havia leis que puniam as pessoas físicas por atos de corrupção ativa e assemelhados. A novidade, agora, é a lei que pune apenas as pessoas jurídicas. Sancionada no dia 1º de agosto de 2013, a Lei 12.846/2013, também conhecida como “Lei Anticorrupção”, foi criada também com o fito de atender ao compromisso assumido pelo Brasil quando da ratificação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, no ano de 2000. O diploma legal entrou em vigor no dia 29 de janeiro de 2014.
Dentre as novidades mais relevantes trazidas pela nova lei, está a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de análise de culpabilidade, nas esferas civil e administrativa, das pessoas jurídicas que praticarem atos lesivos à Administração Pública. Tal responsabilidade, nos termos do artigo 4º da lei, subsiste nas hipóteses em que a sociedade que praticou os atos passíveis de penalidade passe por alterações em seu contrato social, por transformação de tipo societário, bem como por operações tais como incorporações, fusões ou cisões. Dessa sorte, os procedimentos de due diligence normalmente realizados antes de operações como as referidas devem ser intensificados especificamente no que diz respeito à identificação de risco de práticas de corrupção na contratação com a Administração Pública, com clientes e com terceiros. Enquanto ainda não se consolidarem os entendimentos sobre os critérios para aprofundar tal investigação, diante da vigência da nova lei, podemos nos utilizar de modelos estrangeiros, tais como o Resource Guide, feito pela Securities Exchange Comission norte-americana com relação a dispositivos semelhantes constantes do Foreign Corrupt Practices Act, que propõe a análise de dados financeiros de vendas, com atenção especial a riscos de ocorrência de pagamentos indevidos.
No que diz respeito às multas pelas práticas referidas no artigo 5º da lei, aplicáveis mediante processos administrativos, variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício imediatamente anterior ao da instauração do processo administrativo ou, se não for possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto, a multa poderá ser de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00, além da possibilidade de publicação extraordinária na imprensa de nota condenatória, sem prejuízo da obrigação de reparação integral dos danos causados. Já no caso de processos judiciais, e igualmente pressuposta a reparação integral dos danos causados, as sanções variam entre o perdimento dos bens, direitos e valores que resultaram dos atos ilícitos, passam pela proibição do recebimento de incentivos, subsídios, subvenções e outras vantagens do Poder Público de 1 até 5 anos, podendo chegar, inclusive, à dissolução compulsória da pessoa jurídica.
A condenação por ato lesivo atinge, ainda, com sanções mais limitadas (multas e reparação de danos), as sociedades controladoras, as controladas e as coligadas e, no âmbito dos respectivos contratos, as consorciadas.
Depois, a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
Para mitigar os riscos, além da due diligence anticorrupção, as sociedades devem também criar programas efetivos de compliance, para a prevenção e detecção de condutas ilícitas e contrárias a códigos de ética e normas internas de conduta das sociedades, bem como devem manter os funcionários sempre atualizados com relação às diretivas estabelecidas. Nos termos do artigo 7º da nova lei, tais práticas serão consideradas na mensuração das sanções aplicáveis. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos dos programas de compliance ainda carecem de regulamentação.
Ademais, a celebração de acordos de leniência com a Administração Pública é possível desde que seja ato de iniciativa da própria pessoa jurídica, que ela cesse completamente seu envolvimento na infração investigada e admita previamente sua participação no ato lesivo e declare que pretenda colaborar com as investigações e com o processo administrativo, casos em que podem ser dispensadas penalidades como a publicação extraordinária da decisão condenatória e a proibição de receber incentivos e empréstimos de entidades públicas ou controladas pelo poder público.
STJ APRECIA O TEMA DAS NULIDADES NAS CONVOCAÇÕES DE ASSEMBLEIAS GERAIS E NOS “VOTOS DE VERDADE EM BLOCO” PREVISTOS EM ACORDOS DE ACIONISTAS
Recente julgamento proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.152.849-MG, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, revisitou o tema das nulidades em deliberações assembleares, questão recorrente para os operadores do direito societário.
A decisão do STJ consolidou o entendimento de que a omissão de determinado assunto na ordem do dia importa apenas na nulidade da respectiva deliberação tomada sem a prévia convocação e não de toda a assembleia. No caso concreto, a ordem do dia nada versou acerca da “destinação do lucro e distribuição de dividendos”, razão pela qual o STJ confirmou a nulidade específica da deliberação que versou sobre tal matéria, mantendo a higidez da assembleia a respeito das demais deliberações. Além disso, a decisão afastou a existência de alegado vício na convocação que não informou sobre a aquisição do direito de voto pelos preferencialistas em razão do não pagamento de dividendos por 3 anos consecutivos, nos termos do §1º do art. 111 da Lei nº 6.404/76 (“LSA”). Esse entendimento baseou-se na ausência de previsão na LSA determinando essa publicidade e também no fato de se tratar de um direito conferido por lei, o qual se presume ser de conhecimento do sócio.
De outra parte, o acórdão do STJ também reiterou o entendimento doutrinário que veda a inclusão, em acordo de acionistas, de voto em bloco para matérias que envolvam os denominados “votos de verdade”, em que o acionista deve votar para atestar a correspondência e fidelidade de determinado documento à realidade dos fatos, como ocorre na aprovação do relatório da administração, nas demonstrações financeiras e na avaliação dos bens integralizados na sociedade. No caso em foco, recorreu-se da nulidade atribuída pelo tribunal de origem quanto à aprovação de contas feita mediante votação em que se fez uso de acordo de acionistas que impunha o voto em bloco, ao argumento de que o artigo 118 da LSA admitiria votos em bloco também para esse propósito. O STJ, entretanto, afastou tal argumento, asseverando, ao reafirmar a nulidade, que não se pode admitir o prévio ajuste de votos em bloco sobre matérias que envolvam declarações de verdade, já que estas se prestam à fiscalização dos atos da administração, não devendo ser exercidas no interesse de determinado bloco de acionistas.
A decisão serve de alerta para as companhias que, especialmente nesta época do ano, estão envolvidas com os trâmites relativos à preparação das assembleias-gerais ordinárias que devem ocorrer dentro dos 4 primeiros meses seguintes ao término do exercício social.
LOCAÇÃO COMERCIAL: DEVE SER DE 5 ANOS O PRAZO DE RENOVAÇÃO NA AÇÃO RENOVATÓRIA
O Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se, recentemente, no julgamento do RESP 1.323.410, a respeito do prazo de renovação compulsória dos contratos de locação firmados por prazo determinado e que venham a ser objeto de ação renovatória. Estabeleceu-se, no referido julgado, que a legislação deve ser interpretada de modo sistemático, afastando-se uma aplicação meramente literal do caput do artigo 51 da Lei de Locações. Assim, embora o dispositivo legal preveja que “(…) o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo”, entendeu-se que a expressão “igual prazo” contém uma remissão ao prazo mínimo de vigência exigido como um dos requisitos ao ingresso com a ação renovatória e não ao prazo de vigência do último contrato. Dessa forma, atendidos os demais requisitos aplicáveis, a renovação da locação se dará pelo prazo máximo de 5 anos, ainda que o contrato a ser renovado possua prazo de vigência superior e mesmo que o último contrato que antecedeu o ajuizamento da ação tenha vigorado por apenas 1 ano, por exemplo (e que cujo prazo tenha sido somado aos dos contratos anteriormente vigentes de forma ininterrupta para completar o quinquênio exigido para o ajuizamento da ação).
Tal diretriz interpretativa visa a compatibilizar os interesses de locatário e locador, na medida em que assegura o desempenho das atividades sociais e a exploração do fundo de comércio constituído no local há no mínimo 3 anos e, por outro lado, preserva a efetividade do direito de propriedade ao evitar a perpetuação da locação.
Cabe ressalvar, todavia, que não há limitação para que o locatário ajuíze, ao término de cada interregno de 5 anos – e desde que respeitado o prazo decadencial para essa finalidade –, sucessivas ações renovatórias.
CVM PROPÕE A CRIAÇÃO DE NOVA MODALIDADE DE INVESTIMENTO PARA CAPITALIZAR EMPRESAS DE MENOR PORTE
Encontra-se aberto o edital de Audiência Pública SDM 13/13 da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) que propõe a atualização da IN 409/04 que regulamenta o funcionamento dos Fundos de Investimento, visando, dentre outras medidas, estabelecer um novo instrumento de investimento: o Fundo de Investimento em Ações – Mercado de Acesso.
Diante da dificuldade que empresas de menor porte têm em se capitalizar no mercado financeiro, por terem naturalmente menor liquidez e, portanto, menor atratividade diante dos investidores, a CVM está adequando as normas dos Fundos de Investimento para possibilitar o acesso dessas empresas no mercado de capitais e financiamento por meio de emissão de ações.
A nova modalidade de fundo de investimento proposta pela CVM supõe a adoção de política de investimento pela qual o fundo aplique 2/3 do seu patrimônio líquido em ações de companhias listadas em segmento de negociação de valores mobiliários voltado ao mercado de acesso, que assegure, por meio de vínculo contratual, práticas diferenciadas de governança corporativa.
Dentre as propostas de modernização da IN 409/04 estão a flexibilização dos ativos passíveis de serem adquiridos por fundo de ações podendo destinar até 1/3 do seu patrimônio líquido em empresas fechadas, observadas certas condições; a inserção da possibilidade de recompra de cotas do fundo por parte do gestor, como ocorre geralmente com fundos fechados de ativos ilíquidos; e a possibilidade de cobrança de taxa de performance e especialmente a redução dos custos e simplificação do processo de abertura de capital.
A audiência pública da CVM busca contribuições do mercado sobre as novas propostas até dia 10 de fevereiro deste ano.